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AMSTERDÖPARIS
ais tarde, ficaria provado quase com certeza que as bombas de Paris e Amsterdã eram
produtos letais do trabalho de um mesmo homem. Mais uma vez, a forma de entrega
fora uma van branca; mas, em Amsterdã, a van era uma Ford Transit, em vez de uma
Renault. A bomba foi detonada precisamente às quatro e meia, no centro do agitado
Mercado Albert Cuyp. O veículo entrara no mercado cedo naquela manhã e permanecera
ali, sem ser detectado, durante todo o dia, enquanto milhares de compradores passeavam
inocentemente ao sol pálido de primavera. A motorista da van era uma mulher de
aproximadamente 30 anos, cabelos loiros, pernas compridas, quadris estreitos, jeans azul,
um moletom de capuz, um colete de lã. Isso ficou estabelecido não com a ajuda de
testemunhas, mas pelas câmeras de segurança de circuito fechado. A polícia não
encontrou ninguém, entre os vivos, que pudesse se lembrar de tê-la visto.
O mercado, considerado o maior da Europa, fica localizado no lado antigo da cidade.
Fileiras de barracas frente a frente se espalham pela rua e, atrás das barracas, há terraços
de casas de tijolo marrom, com lojas e restaurantes no térreo. Muitos dos vendedores
são do Oriente Médio e do Norte da África, fato que diversos repórteres e analistas de
terrorismo destacaram rapidamente nas primeiras horas da cobertura. Todos viam isso
como evidência de que os culpados foram inspirados por alguma crença que não o
islamismo radical, embora, quando pressionados a mencionar que crença seria essa, não
fossem capazes de achar uma. Finalmente, uma pesquisadora do islã, em Cambridge,
explicou o aparente paradoxo. Os muçulmanos de Amsterdã, disse ela, viviam em uma
cidade de drogas e prostituição legalizadas, onde as leis dos homens eram mais fortes
que as leis de Alá. Aos olhos dos muçulmanos extremistas, aqueles eram apóstatas. E a
única punição para apóstatas é a morte.
As testemunhas se recordariam não do urro trovejante da explosão, mas do profundo
e gélido silêncio que se seguiu. Depois de um tempo, houve um gemido, um soluço de
criança e a vibração eletrônica de um celular implorando para ser atendido. Por vários
minutos, a grossa fumaça negra escondeu, benevolente, o horror. Depois, gradualmente,
a fumaça se dissipou e a devastação foi revelada: os decepados e os mortos, os
sobreviventes cobertos de fuligem vagando tontos e parcialmente nus pelos escombros,
os sapatos que estavam sendo vendidos espalhados entre os sapatos dos mortos. Por
todos os lados, havia frutas esparramadas e sangue derramado e o cheiro,
repentinamente nauseante, de cordeiro assado temperado com cominho e cúrcuma.