ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

Seus aposentos, assim como seu estilo, são relíquias empoeiradas de outra época.
Hóspedes que já conhecem o hotel tendem a pedir quartos nos andares mais baixos, pois o
elevador quebra com freqüência, e aqueles atrás de uma barganha seguem para os cômodos
pequenos no sótão. Foi num desses quartos que se hospedou um russo alto e esguio com olhos
cinzentos e pele da cor da neve do cume da Piz Bernina. Infelizmente, ele machucou o joelho
no primeiro dia de suas férias e teve que ficar confinado no quarto desde então. De vez em
quando, o homem se sentava em frente à pequena fenda que era a janela e observava as ruas
com tristeza, mas passava a maior parte do tempo na cama com a perna machucada para o alto.
Para passar o tempo, via filmes e escutava música em seu laptop. As arrumadeiras o
descreviam como sendo educado até demais, o que era incomum para um russo.
O mesmo não podia ser dito, no entanto, do médico que apareceu no Jägerhof quatro
dias depois de o russo sofrer o infeliz acidente. Ele tinha altura mediana, cabelos grisalhos e
olhos castanhos atentos escondidos parcialmente por óculos grossos. Os funcionários do hotel
que tiveram o azar de encontrá-lo durante sua breve visita tiveram a impressão de que ele era
mais apto a infligir feridas do que a tratar delas.
— Como está o joelho? — perguntou Gabriel.
— Ainda dói se eu coloco muito peso em cima.
— Não parece muito bom.
— Você devia ter visto como estava há dois dias.
A perna repousava em cima de dois travesseiros bordados com o brasão do Jãgerhof.
Gabriel estremeceu um pouco ao inspecionar o inchaço.
— De onde vieram os hematomas?
— Eu tive que bater nele algumas vezes.
— Com o quê? Uma marreta?
— Usei a garrafa de champanhe.
— Como ela estava?
— Para bater no joelho, estava ótima.
Gabriel foi até a janela e olhou para a praça suíça digna de cartão-postal em frente ao
prédio. De um dos lados, uma limusine era estacionada com a lentidão de um cruzeiro de luxo
na portaria de um dos hotéis mais caros. Do outro, três mulheres de casacos de pele posavam
para uma fotografia ao lado de uma carruagem conduzida por cavalos. Depois de um tempo, o
veículo partiu, o som
dos cascos abafados sobre a neve, revelando a entrada discreta da Galeria Naxos.
Através da grande vitrine, Gabriel pôde ver David Girard falando com uma cliente sobre uma
das melhores obras do estabelecimento, uma estátua romana do século I d.C. de um garoto
adolescente posando deitado, sem os membros. A conversa em alemão saía dos alto-falantes
do computador de Mikhail.
— Onde você escondeu o transmissor?
— Na mesa dele.
— Como você conseguiu fazer isso?
— Na minha primeira e única visita, deixei para trás uma caneta de ouro muito cara.
Monsieur Girard fez a gentileza de guardá-la para mim até eu ter uma chance de passar por ali.

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