ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

Gabriel foi até o espelho e inspecionou o rosto pouco familiar ali refletido. Satisfeito
com sua aparência, deixou o quarto sem dizer nada e desceu as escadas até o salão sombrio do
Jägerhof. Ao sair na rua, ele já não era mais o médico taciturno que fora tratar um russo
ferido, e sim Anton Drexler, da Premier Antiquities Services, sediada em Hamburgo, na
Alemanha. Dez minutos depois, após verificar com cuidado se estava sendo seguido, ele se
postou na entrada da Galeria Naxos. O garoto sem membros permanecia deitado na vitrine,
parecendo a vítima de uma bomba. Herr Drexler examinou a estátua por um instante, com o
olhar crítico de um profissional. Em seguida, tocou a campainha e anunciou suas intenções,
sendo admitido sem demora.


24


St. Moritz, Suíça
A sala de exposição estava fortemente iluminada, os itens dispostos com cuidado para
evitar a impressão de desordem — aqui, uma seleção de crateras e ânforas gregas, ali, vários
gatos de bronze egípcios, e em outro canto um
amontoado de corpos de mármore amputados e cabeças sem corpo, tudo com preço
disponível mediante consulta. No fundo da galeria, havia uma mesa chinesa com acabamento
de verniz e, à frente dela, estava sentado David Girard, aguardando para recebê-lo. Ele vestia
um blazer escuro, um suéter com zíper e calças feitas sob medida que pareciam ser de veludo
E segurava o telefone preto elegante entre o ombro e a orelha, escrevendo algo ilegível num
pedaço de papel com a caneta de ouro cara de Mikhail. Gabriel imaginou o estardalhaço no
quarto do Jägerhof.
Girard murmurou algumas palavras em francês e, enfim, colocou o fone no gancho. Ele
avaliou o visitante em silêncio com seus olhos castanhos suaves e, sem se levantar, pediu para
ver um cartão comercial. Gabriel o passou sem dizer nada.
— Seu cartão não tem endereço nem número de telefone — comentou Girard, em
alemão.
— Eu sou um tanto minimalista.
— Por que nunca ouvi falar de você?
— Tento não provocar ondas — explicou Gabriel, com um sorriso dócil. — Mares
inquietos dificultam meu trabalho.
— E que trabalho seria esse?
— Eu encontro coisas. Cachorros perdidos, moedas largadas atrás de almofadas de
sofás, pedras preciosas escondidas em sótãos e porões.
— Você é um negociante?
— Não como você, é claro — respondeu Gabriel, com toda a modéstia que conseguiu.
— Quem o enviou?
— Um amigo de Roma.
— Esse amigo tem um nome?
— Meu amigo é como eu: prefere águas calmas.

Free download pdf