ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

plana, uma escrivaninha com canetas e papéis e uma cama confortável com lençóis
engomados. Até a polícia suíça fornecia excelentes hospedagens, pensou Gabriel.
Deixaram-no sozinho por horas enquanto refletiam sobre o que fazer com ele, até que o
levaram algemado, sem aviso prévio nem representante legal, para a sala de interrogatório.
Esperando por Gabriel, estava o oficial encarregado do caso. Ele se apresentou como Ziegler.
Sem nome, sem patente ou conversa fiada — apenas Ziegler. Ele era alto e alpino, com a pele
avermelhada e os ombros largos de um esquiador. Na mesa à sua frente, havia diversas fotos
de Gabriel em estágios diferentes de sua carreira, usando disfarces distintos. Ele aparecia
entrando e saindo de bancos, atravessando saguões de hotéis e fronteiras e andando à beira de
um canal em Zurique acompanhado pela famosa violonista suíça Anna Rolfe. Ziegler parecia
bastante orgulhoso com a demonstração. Era óbvio que ele tinha pensado muito no arranjo.
— Nós temos uma teoria — disse ele, quando Gabriel sentou.
— Mal posso esperar para ouvi-la.
O rosto de Ziegler permaneceu calmo como um lago suíço.
— Parece que, antes de vir para St. Moritz, você fez uma parada breve na França, onde
roubou uma pintura de Cézanne e um vaso grego de dois mil anos. Em seguida, você
transportou o vaso em pedaços através da fronteira e tentou vendê-lo para David Girard, na
Galeria Naxos. Mas o que Girard não sabia era que você não tinha nenhuma intenção de
entregá-lo, pois o verdadeiro propósito de seu pequeno artifício era matá-lo.
— Por que eu iria querer matar um negociante suíço de antigüidades?
— Porque, como você já sabe, aquele negociante não era suíço. Bem — acrescentou
Ziegler, franzindo a testa —, não era um suíço genuíno. Ele nasceu no sul do Líbano. E, pelo
que ficamos sabendo, parece que ainda fazia muitos negócios por ali. E essa é a razão pela
qual a inteligência israelense queria vê-lo morto.
— Se nós quiséssemos vê-lo morto, teríamos feito isso sem tirar duas vidas inocentes.
— Que nobre de sua parte, Herr Allon.
— Parece que você está esquecendo outro pequeno detalhe — falou Gabriel, cansado.
— E qual seria?
— Aquela bomba quase me matou.
— Sim — respondeu Ziegler, em tom monótono. — Talvez o lendário Gabriel Allon
esteja fora de forma.
Gabriel foi posto de novo na cela e recebeu uma refeição tipicamente suíça de batata
com raclete e vitela à milanesa. Depois de comer, ele assistiu ao noticiário da noite em
alemão, no canal SF 1. Quinze minutos se passaram antes de o bombardeio em St. Moritz ser
mencionado. Foi uma matéria focada em como o evento tinha afetado negativamente as
reservas para o feriado seguinte. Não mencionou a ligação de David Girard com o Hezbollah
nem fez qualquer referência a prisões efetuadas na investigação do caso, o que Gabriel
considerou um bom sinal.
Após o jantar, um médico avaliou seus cortes em silêncio e trocou algumas das
ataduras. Ele foi levado de novo à sala de interrogatório para uma sessão noturna. Dessa vez,
Ziegler não estava presente. Em seu lugar havia um oficial magro com a palidez de um homem
que não tem tempo para atividades ao ar livre. Ele se apresentou como Christoph Bittel, da

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