ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

um pouco para a direita, deixando livre o caminho de Yossi até a traseira do Mercedes. Ele
acelerou e, em poucos segundos, já enxergava o ombro esquerdo do demônio. Com cuidado,
ele enfiou a mão no bolso do casaco e ativou a granada magnética. Em seguida, olhou para a
frente e esperou a garota pisar na rua.
Ela vestia uma jaqueta verde berrante com faixas reflexivas nas mangas e estava
empurrando uma bicicleta com o farol do guidom aceso. Uma hora antes, ela tinha
transportado a mochila de lona que causara tanta confusão no centro de Berlim. Naquele
momento, enquanto atravessava a faixa de pedestres bem iluminada mancando um pouco, ela
não carregava nada além de um passaporte falso e um ódio ilimitado pelo homem no banco de
trás do Mercedes.
Por um instante, todos temeram que o motorista de Massoud pretendesse usar sua
imunidade diplomática para atropelar a mulher. Mas, por fim, ele afundou o pé no freio e o
grande carro preto deslizou até parar em meio a uma nuvem de fumaça cinza-azulada. Yossi
desviou para a esquerda, quase encostando no para-choque traseiro do automóvel, e gritou
algumas obscenidades antes de prender dissimuladamente a granada dentro do aro da roda
frontal. Àquela altura, a garota já tinha alcançado a outra calçada em segurança. O motorista
de Massoud chegou a fazer um breve aceno de desculpas ao se afastar. A menina deu um
sorriso enquanto se distanciava com o que parecia ser uma pressa incomum.
Seis segundos depois, o dispositivo explodiu. A carga calibrada com cuidado fez com
que toda a força da detonação fosse direcionada para dentro, eliminando a possibilidade de
haver danos colaterais ou vítimas. O susto foi bem maior que o prejuízo, rasgando o pneu
esquerdo frontal e abrindo o capô. Cego e confuso, o motorista jogou o carro por instinto para
a direita. Ele subiu na calçada e bateu numa grade de ferro, parando na Hagenplatz, um
pequeno gramado triangular que a equipe chamava carinhosamente de Praça do Sorvete.
A única fraqueza do plano era o ponto de ônibus a poucos metros da interseção.
Naquela noite, havia cinco pessoas ali: um casal de alemães idosos, dois jovens de
ascendência turca e uma mulher na faixa dos 20 anos, tão magra e pálida que parecia ter
acabado de sair de um prédio bombardeado pelos Aliados. O que eles viram a seguir pareceu
apenas um gesto de gentileza por parte de três bons samaritanos que estavam lá por acaso. Um
dos homens, o motociclista alto e esguio, correu para ajudar — ao menos essa foi a impressão
das testemunhas. O que elas não perceberam foi a pistola que o homem removeu rapidamente
do coldre do motorista. Nem a seringa com uma dose potente de sedativos que ele injetou na
coxa esquerda da vítima.
Os outros bons samaritanos se focaram no homem do banco traseiro. Como não estava
com cinto de segurança, ele ficou seriamente aturdido pela força da batida. Uma injeção
piorou sua condição, mas as testemunhas também não repararam nesse detalhe. Eles
lembrariam apenas que os dois homens ergueram o passageiro machucado e o colocaram com
cuidado em seu próprio veículo. O carro partiu no mesmo instante e virou à esquerda, rumo a
Grunewald — o que era estranho, pois o hospital mais próximo ficava na direção oposta. O
motoqueiro seguiu o automóvel, assim como o Passat dirigido por uma pessoa de feições
meigas que parecia não ter prestado atenção em nada do que acabara de acontecer. Mais tarde,
ao serem questionadas pela polícia, as testemunhas se dariam conta de que todo o

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