ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Qual?
— Nós salvamos as vidas e eles levam o crédito.
Gabriel sorriu. Fechando os olhos, dormiu no mesmo instante.
Como sempre, houve uma disputa entre os serviços na hora de decidir o local da
reunião. Uzi Navot queria que fosse numa sala segura na embaixada israelense, mas Jonas
Kessler escolheu um imponente prédio do governo no elegante Innere Stadt, a um quarteirão
da Ópera Estatal. Um aviso no saguão declarava que o lugar seria usado naquele dia para uma
conferência relacionada a agricultura sustentável, mas, na entrada do salão principal, havia
uma lata de lixo onde os convidados eram instruídos a depositar seus celulares e outros
equipamentos eletrônicos. O cômodo era uma monstruosidade da época dos Habsburgos, com
cortinas de ouro e lustres de cristal que flutuavam como nuvens cheias de velas. Quando
Gabriel e Shamron entraram, Navot se inclinava sobre uma mesa de bufê coberta de bolos
vienenses e tortas de creme. Kessler, uma figura ossuda com cabelos escuros penteados bem
para trás, estava no canto oposto do aposento, cercado por um cordão protetor de assistentes.
Ele olhava para o relógio e parecia pensar se daria para encerrar o encontro a tempo do seu
exercício físico do meio-dia.
Seguindo a orientação de Kessler, eles tomaram os lugares designados numa mesa
retangular que parecia mais adequada para uma cúpula de governo na época da Guerra Fria do
que para uma reunião de espiões. Gabriel, Shamron e Navot sentaram de um lado, e os
austríacos do outro. A maior parte era da divisão de contraterrorismo do serviço de
segurança, mas também havia diversos oficiais do alto escalão da Bundespolizei, a polícia
nacional austríaca. Kessler não se deu o trabalho de fazer apresentações. Também não houve
nenhuma discussão acerca do idioma a ser usado: Gabriel, Shamron e Navot falavam alemão
fluente. Navot tinha até mesmo um traço do sotaque vienense. Seus ancestrais moravam em
Viena quando os alemães anexaram a Áustria em 1938. Aqueles que conseguiram escapar
perderam tudo — menos o sotaque vienense.
— Nós estamos honrados por termos tantos agentes distintos de seu serviço conosco
hoje — anunciou Kessler sem muita convicção, batendo com uma colher de prata contra a
borda de sua xícara de café de porcelana como se fosse um martelinho de juiz. —
Especialmente você, Herr Allon. Já faz muito tempo desde sua última visita a Viena.
— Não tanto quanto você pensa — observou Gabriel.
Kessler forçou um pequeno sorriso.
— Eu estava trabalhando na noite em que a OLP explodiu aquela bomba embaixo do
seu carro — disse ele após um momento. — Lembro como se fosse ontem.
— Eu também — falou Gabriel, impassível.
— Imagino que sim. Eu também estava trabalhando na noite em que você sequestrou
Erich Radek de sua casa no Primeiro Distrito e o levou para Israel.
— Radek concordou em ir para Israel.
— Só depois de você removê-lo da cena do crime em Treblinka. Mas isso, como
dizem, é história antiga. — Outro sorriso forçado. — Herr Navot me contou que o Hezbollah
está mirando Viena.
Gabriel assentiu.

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