ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Até surgirem alguns terroristas querendo matar centenas de judeus. Então você
volta.
— Receio que vocês terão que agir sem mim na próxima ocasião.
— Veremos. — Mikhail encarou Gabriel. — Você tem certeza de que está pronto?
— Se me perguntar isso de novo, vou dar um tiro em você.
— Isso seria uma péssima idéia.
— Por quê?
— Olhe lá fora.
Na sala de crise do Ministério do Interior austríaco, Ari Shamron observou os quatro
terroristas do Hezbollah entrarem num beco estreito que dava na sinagoga, seguidos por
Gabriel e Mikhail. Naquele instante, ele teve uma premonição assustadoramente clara de que
ocorreria um desastre, diferente de qualquer coisa que ele já houvesse sentido antes. Não era
nada, tranquilizou-se. A Stadttempel já conseguira sobreviver à Noite dos Cristais, e isso
voltaria a se repetir. Ele acendeu o isqueiro e fitou a chama. Dois segundos, pensou. Talvez
menos. E tudo estaria terminado.
Eles tinham se posicionado numa formação com dois na frente e dois seguindo a
poucos passos de distância. Gabriel não pôde deixar de admirar sua competência. Com os
casacos de inverno e a falsa atitude casual, eles pareciam quatro jovens querendo aproveitar a
noite no famoso Triângulo das Bermudas de Viena, e não terroristas suicidas do Hezbollah a
minutos de suas mortes. Gabriel sabia o nome deles, os vilarejos em que tinham nascido e as
circunstâncias de seus recrutamentos. Mas agora os homens eram apenas Alef, Bet, Gimel e
Dalet — as primeiras quatro letras do alfabeto hebraico. Alef e Bet pertenciam a Gabriel.
Gimel e Dalet, a Mikhail. Alef, Bet, Gimel, Dalet... e então tudo acabaria.
A rua se tornava uma ladeira e fazia uma ligeira curva para a direita. Yaakov e Oded
parados alguns metros depois, num foco de luz branca em frente à sinagoga. Oded estava
interrogando dois judeus norte-americanos que queriam participar da cerimônia do sabá na
cidade de seus ancestrais, mas Yaakov prestava atenção aos quatro jovens vindo em sua
direção. Ele os observou por um tempo apropriado antes de se forçar a desviar os olhos.
Oded parecia não ter percebido o grupo. Ele permitiu que os dois visitantes entrassem e
voltou sua atenção para a fila de pessoas à espera. Dez ou mais pessoas, incluindo duas
crianças, estavam reunidas na rua sem a menor noção do horror que se aproximava.
Gabriel e Mikhail saíram da cafeteria e foram diminuindo gradualmente a distância até
seus alvos. Menos de 10 metros os separavam: quatro terroristas, dois agentes secretos, todos
empenhados em suas missões, cada um confiante em sua causa e em seu deus. Naquela noite, a
antiga batalha pelo controle da terra de Israel seria mais uma vez travada numa bela rua
vienense. Gabriel não conseguiu deixar de sentir o peso da história sobre seus ombros
enquanto subia a rua íngreme — sua própria história, a história de seu povo, Shamron... Ele
imaginou Shamron em sua juventude, perseguindo Adolf Eichmann ao longo de uma rua
deserta no norte de Buenos Aires. Shamron tinha tropeçado num cadarço e quase caíra. Depois
daquela missão, passou a amarrar os sapatos com nós duplos sempre que estava numa
operação. Gabriel havia feito o mesmo, em homenagem ao Velho. Nada de cadarço solto.
Nada de pesadelo de sangue e fogo numa sinagoga em Viena.

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