ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

alguns quilos a menos, mas aparentando estar saudável, ele apareceu diante das câmeras em
Teerã, entre o presidente iraniano e o chefe de seu serviço secreto. Massoud revelou poucos
detalhes acerca do tempo que passou em cativeiro, dizendo apenas que, de forma geral, fora
bem tratado. Os dois homens a seu lado pareceram um tanto céticos, e o presidente prometeu
que os responsáveis pelo seqüestro seriam severamente punidos.
A ameaça de retaliação iraniana não foi ignorada, em especial nos corredores do King
Saul Boulevard. Mas o Escritório celebrou o sucesso da operação. Vidas foram salvas, um
velho adversário ficara seriamente abalado e uma lucrativa rede de arrecadação de fundos do
Hezbollah fora arruinada. No entanto, um fato comprometia o contentamento do Escritório:
Sua Santidade, o papa Paulo VII, estaria no Aeroporto Ben Gurion em menos de uma semana.
Dada a turbulência geral na região, Navot considerava sensato um adiamento da viagem, uma
opinião compartilhada pelo primeiro-ministro e pelo restante de seu rebelde gabinete. Mas
quem diria ao papa para não ir à Terra Santa? Eles só tinham um candidato. Um anjo caído.
Um pecador na cidade dos santos.
O padre Mark aguardava Gabriel junto às Portas de Bronze. Ele o acompanhou pela
Scala Regia e pelo chão de paralelepípedos do Cortile di San Damaso, subindo depois os
degraus que davam nos aposentos privados do papa. Donati estava sentado à escrivaninha em
seu escritório. Era uma sala simples, com o pé-direito alto, paredes caiadas e prateleiras
cheias de livros sobre direito canônico. Havia fotografias emolduradas em fileiras bem
alinhadas em cima de um aparador. Boa parte delas mostrava Donati discretamente ao lado de
seu mestre em momentos históricos do papado. Uma das imagens, no entanto, parecia fora de
lugar: uma versão mais jovem de Donati, sujo e sorrindo sem reservas, com o braço sobre os
ombros de um jovem padre com ar de intelectual.
— Esse é o padre José Martinez — explicou Donati. — Nós tínhamos acabado de
terminar a construção de uma escola em nosso vilarejo, em El Salvador. A foto foi tirada uma
semana antes de ele ser assassinado. — Donati examinou o rosto de Gabriel por um instante e
franziu a testa. — Quando eu saí de El Salvador, um passo à frente dos grupos de extermínio,
minha aparência era similar à sua.
— Eu tive algumas semanas bem ocupadas desde que saí de Roma.
— Ê o que dizem os jornais. Um roubo de obras de arte na França, uma explosão numa
galeria em St. Moritz, o seqüestro de um diplomata iraniano e uma operação dramática de
contraterrorismo no coração de Viena. Para os que não são do meio, esses eventos parecem
não ter vínculos. Mas, para alguém como eu, eles têm uma coisa em comum.
— Duas coisas em comum, para falar a verdade — disse Gabriel. — Uma é o
Escritório. E a outra é Cario Marchese.
Já eram quase seis da tarde e o sol se punha atrás dos telhados e domos do centro
histórico romano. Enquanto Gabriel falava, a luz suave foi se extinguindo do escritório, até o
cômodo ser tomado por uma escuridão apropriada para confissões. Vestido com uma batina
preta, Donati estava praticamente invisível, exceto pela brasa de seu cigarro. Ao fim do relato
de Gabriel, ele permaneceu sentado por alguns minutos num silêncio penitente antes de
caminhar em direção à janela. Logo abaixo, estava a Torre Nicolau V, a construção medieval
que agora servia de sede para o Banco do Vaticano.

Free download pdf