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Leste de Jerusalém
Naquele mesmo instante, no leste de Jerusalém, o imã Hassan Darwish conduzia seu
station wagon amassado pela rampa íngreme que levava da Estrada de Jerico até a Porta dos
Leões. Como sempre, os policiais israelenses de plantão fizeram apenas uma inspeção
superficial no carro antes de permitir que ele entrasse no Bairro Muçulmano da Cidade
Antiga. O imã era descendente de uma família de palestinos célebres da cidade de Hebron, na
Cisjordânia. E, o mais importante, era membro do Conselho Supremo do Waqf, os guardiões
oficiais do platô do Monte do Templo desde que Saladino o tomou de volta dos cruzados em
- Seu posto tornava Darwish tão intocável quanto um árabe podia ser no leste de
Jerusalém, pois, com apenas algumas palavras de incitação, ele poderia transformar a
Montanha Sagrada num caldeirão em ebulição. Aliás, o imã já tinha feito isso em diversas
ocasiões.
Ele deixou o automóvel no pequeno estacionamento Waqf na rua Porta dos Leões e
entrou em seu escritório, na parte norte da esplanada do Monte do Templo. Uma boa
quantidade de recados o aguardava em sua velha mesa otomana. Como representante não
oficial do Waqf, todos os dias ele recebia dezenas de ligações de entrevistadores a respeito de
questões relacionadas ao Monte do Templo e a outros locais sagrados de Jerusalém. Darwish
ignorava a maior parte dos telefonemas, em especial os dos repórteres norte-americanos e
israelenses — e havia um bom motivo para isso. Tendo trabalhado com Yasser Arafat e seu
sucessor, Mahmoud Abbas, ele conduzira uma campanha incansável para enfraquecer a
reivindicação judaica sobre a Palestina por meio da negação da existência do Templo Judeu
de Jerusalém. Mas a guerra contra a verdade ia além de meras palavras. Usando projetos de
construção como fachada, ele sistematicamente varrera a Montanha Sagrada de qualquer
evidência do antigo Templo. Seu conselheiro não oficial na empreitada, um especialista em
antigüidades que residia na Suíça, fora sacrificado numa explosão recente em sua galeria.
Darwish esperava não compartilhar o mesmo destino. Embora falasse com freqüência
sobre a beleza do martírio, preferia deixar a morte para outros.
Como sempre, Darwish logo dispensou os pedidos de entrevista jogando— -os sem
cerimônia numa lixeira. Restou apenas uma mensagem de aparência ordinária vinda de um tal
Sr. Farouk, afirmando que uma encomenda de Alcorões tinha chegado das impressoras da
Universidade Al-Azhar, no Cairo. O imã encarou a mensagem por vários minutos, pensando se
teria a coragem ou a fé necessária para levar aquilo adiante. Por fim, pegou um molho de
chaves da primeira gaveta da mesa e saiu para o monte sagrado.
A família Darwish estava vinculada ao Waqf de Jerusalém havia séculos e, na infância,
Hassan passara seus dias memorizando o Alcorão à sombra das árvores no canto norte do
Nobre Santuário. Mesmo agora, na meia-idade, ele não conseguia passar pelo Domo da Rocha
sem sentir que Alá e o profeta Maomé caminhavam a seu lado. No centro da estrutura
octogonal colorida, ficava a Rocha, tida como sagrada pelas três fés abraâmicas. Para os
judeus e cristãos, era o lugar onde o arcanjo Gabriel impedira que Abraão matasse o filho
Isaac. Para os muçulmanos, marcava o local onde Gabriel se juntara a Maomé para a Jornada