Noturna rumo ao paraíso. Embaixo da pedra, havia uma caverna natural conhecida como Poço
das Almas, onde os muçulmanos acreditavam que as almas dos condenados eram mantidas
temporariamente antes de serem lançadas no inferno. Quando criança, Darwish costumava se
esgueirar até ali sozinho, tarde da noite. Ele permanecia sentado por horas nos tapetes de
oração mofados, fingindo que podia ouvir os prantos de angústia das almas. Em sua
imaginação, os gritos nunca vinham de muçulmanos, apenas de judeus que Deus tinha punido
por roubarem a terra da Palestina.
Por um tempo, o imã pensara ser possível que judeus e muçulmanos dividissem a terra
e vivessem lado a lado em paz. Agora, após décadas de uma ocupação esmagadora israelense
e de promessas quebradas, ele havia chegado à conclusão de que os palestinos nunca seriam
livres enquanto o Estado sionista não fosse aniquilado. A chave para a libertação da Palestina,
supunha Darwish, era o Monte do Templo. Os israelenses tinham sido tolos ao permitirem que
o Waqf retivesse sua autoridade sobre o Haram depois da Guerra dos Seis Dias, pois, assim,
inadvertidamente, selaram o próprio destino. Estudioso da história do antigo Oriente Médio, o
imã compreendia que o conflito entre árabes e judeus era mais que uma simples batalha por
terra: era uma guerra religiosa, e o Haram estava no centro de tudo. Arafat tinha usado o
Monte do Templo para inflamar a Segunda Intifada em 2000. Agora Darwish pretendia usá-lo
para começar outra. Mas essa intifada, a terceira, ofuscaria as duas que a precederam. Seria
cataclísmica, uma solução final. E, ao fim, não restaria um único judeu na terra da Palestina.
Com imagens vividas do apocalipse vindouro em sua mente, o imã caminhou pelo
amplo pátio em direção à Mesquita de Al-Aqsa. No lado leste da estrutura maciça, havia uma
entrada recém-construída para a subterrânea Mesquita Marwani. Darwish desceu os degraus
e, usando uma de suas chaves, destrancou a porta principal. Como sempre, sentiu-se um pouco
apreensivo ao entrar. Como diretor da obra, ele sabia o quanto o Haram ficara enfraquecido
pela retirada de toneladas de terra e detritos. Toda a metade sul do platô estava correndo risco
de desmoronar. No Ramadã e em outros dias santos importantes, Darwish quase podia ouvir a
Montanha Sagrada gemendo sob o peso dos fiéis. Bastaria um pequeno empurrão e boa parte
do lugar mais sagrado do planeta desabaria no vale do Cédron, levando junto a Al-Aqsa, o
terceiro santuário mais santo do Islã. E o que aconteceria depois? Os exércitos do Islã
estariam nas fronteiras de Israel dentro de horas, junto com dezenas de milhões de fiéis
muçulmanos enfurecidos. Seria um jihad para terminar com todos os jihads, uma intifada com
um único propósito: a aniquilação completa do Estado de Israel e de seus habitantes.
Por hora, a imensa mesquita subterrânea com suas doze vias de pilares e arcos estava
tomada pelo silêncio sepulcral e por uma suave luz divina. Sozinho, Darwish andou sem fazer
barulho por uma passagem abobadada até chegar a uma pesada porta de metal fechada por um
grande cadeado, cuja única chave ficava com o imã. Ele a destrancou e a empurrou, revelando
uma escadaria de pedra. Após alguns degraus, havia outra porta. Darwish também tinha a
chave. Quando ela foi aberta, revelou apenas uma escuridão absoluta. Ele tirou uma pequena
lanterna do bolso do thobe e a acendeu, iluminando os primeiros 15 metros de um túnel antigo
que mal permitia a passagem de um homem. Escavado na época do Primeiro Templo judeu,
era apenas uma das muitas maravilhas desenterradas pelos palestinos durante a construção da
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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