ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Jerusalém
Donati e o Santo Padre estavam passando a noite na residência do Patriarca Latino,
perto do Portão de Jaffa. Gabriel os levou até a porta, conduziu uma verificação final de
segurança e depois seguiu para o oeste, percorrendo Jerusalém em meio às sombras do final
da tarde. Ao virar a esquina na rua Narkiss, Gabriel viu a limusine Peugeot blindada em frente
ao prédio de número 16. Seu dono estava na varanda do terceiro andar, parcialmente oculto
pelos galhos inclinados de uma árvore de eucalipto, uma sentinela numa vigília noturna sem
fim.
Quando entrou no apartamento, Gabriel sentiu o cheiro inconfundível de berinjela com
tempero marroquino, especialidade de Gilah, a esposa resignada de Shamron. Ela se
encontrava na cozinha, com um avental florido, ao lado de Chiara, que vestia uma blusa larga
com decote, os cabelo caídos sobre os ombros. Gabriel a beijou, sentindo gosto de mel. Ela
ajustou o nó da gravata dele e voltou a beijá-lo. Então, indicou a televisão com um gesto e
disse:
— Parece que você e seu amigo causaram bastante comoção.
Gabriel olhou para a tela e viu a si mesmo andando poucos metros atrás do papa
enquanto ele saía do Hall da Recordação no Yad Vashem. Uma repórter em Londres falava
sobre o realinhamento radical das políticas do Vaticano em relação ao Estado de Israel.
Gabriel passou por diversos canais de notícias, e todos traziam análises similares. Parecia
que Sua Santidade tinha alterado profundamente a dinâmica do conflito no Oriente Médio, com
o Vaticano agora posicionado ao lado de Israel contra o Irã e o islamismo radical. E o que
tornava tudo ainda mais impressionante, concordavam os comentaristas, era que o Vaticano
conseguira esconder as intenções do Santo Padre antes de sua partida de Roma.
Gabriel desligou a televisão e foi se trocar no quarto. Em seguida, aceitou duas taças
de Shiraz de Chiara e saiu para o pequeno terraço. Shamron estava acendendo um cigarro.
Gabriel o tirou de seus lábios antes de se sentar.
— Você realmente precisa parar, Ari.
— Por quê?
— Porque eles estão matando você.
— Eu prefiro morrer fumando do que nas mãos dos meus inimigos.
— Existem outras opções, sabia? — Franzindo a testa, Gabriel apagou o cigarro e
passou uma taça de vinho para Shamron. — Beba, Ari. Dizem que é bom para o coração.
— Eu guardei o meu num depósito no dia em que entrei no Escritório. E agora que me
apossei dele de novo, o negócio está me incomodando até não poder mais. — Ele tomou um
pouco da bebida enquanto o vento balançava o eucalipto. — Você se lembra do que eu disse
ao lhe dar este flat?
— Você me disse para enchê-lo de crianças.
— Sua memória é boa.
— Não tão boa quanto a sua.

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