ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

milhares de muçulmanos caminhavam em direção ao Haram al-Sharif para as preces de sexta-
feira, ao mesmo tempo que uma multidão de católicos do mundo inteiro estava prestes a
participar da cerimônia da crucificação de Cristo com o homem que eles acreditavam ser seu
representante na terra. Não é de surpreender que as unidades policiais e médicas tenham
registrado um número anormal de casos de Síndrome de Jerusalém, a psicose religiosa súbita
desencadeada pela exposição aos lugares mais sagrados da cidade. Em um dos incidentes, um
hóspede do King David Hotel apareceu no saguão coberto apenas por um lençol e insistiu que
o fim dos dias estava próximo.
— Onde ele está agora? — perguntou Donati.
— Descansando sob o efeito de sedativos — respondeu Gabriel. — Espera-se que ele
se recupere por completo.
— Ele é um dos nossos ou um dos seus?
— Um dos seus, infelizmente.
— De onde ele vem?
— São Francisco.
— E ele precisou vir a Jerusalém para ter um surto psicótico?
Sorrindo, Donati acendeu um cigarro. Eles estavam sentados no salão da residência do
Patriarca Latino. Na mesa entre ambos, havia um mapa em grande escala da Cidade Antiga,
com a Via Dolorosa ressaltada em vermelho. A estreita rua romana com escadarias íngremes
tinha 600 metros de comprimento e ia da Cidade Antiga, partindo da Fortaleza de Antônia, até
a Igreja do Santo Sepulcro, considerada pelos cristãos o lugar da crucificação e sepultamento
de Cristo. Como a maioria dos israelenses, Gabriel evitava a rua devido à agressividade dos
lojistas palestinos, que tentavam seduzir todos os transeuntes, a despeito de suas fés.
Normalmente, os estabelecimentos ficavam abertos na Sexta-Feira Santa, mas Gabriel
requisitara que todos fossem fechados.
— Tenho que admitir que esse é o dia que mais me preocupa — disse ele, estudando o
mapa. — O papa precisa percorrer uma rua muito estreita e parar em catorze dos lugares mais
famosos na história da religião.
— Receio que não há nada que se possa fazer com relação à rota, ou à história. Sua
Santidade deve seguir o mesmo caminho de Cristo rumo à crucificação. E ele insiste em
realizar isso com o máximo de dignidade possível.
— Será que ele ao menos reconsideraria o colete à prova de bala?
— Não.
— Por que não?
— Porque Nosso Senhor não usou um a caminho de sua morte. E meu mestre também
não o fará.
— E só uma reconstituição, Luigi.
— Não para ele. Quando o Santo Padre pisar na Via Dolorosa, ele será a
personificação de Jesus Cristo aos olhos de seu rebanho.
— Com uma diferença importante.
— Qual?
— O plano é que Sua Santidade sobreviva ao dia.

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