ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

O papa desceu de seus aposentos dez minutos depois, com a batina branca reluzente
coberta por paramentos vermelhos, e se acomodou no banco traseiro da limusine. O veículo o
conduziu ao longo da fronteira norte da Cidade Antiga, passando por uma multidão
interminável de peregrinos cristãos delirantes até chegar à Porta dos Leões. Os vaticanistas o
aguardavam lá, junto a uma grande delegação de clérigos e dignitários católicos que seguiriam
os passos do papa durante as estações da Via-Sacra. Quando Donati e Gabriel ajudaram o
Santo Padre a sair do carro, os fiéis explodiram em aplausos entusiasmados. Mas o som logo
foi abafado pelo sermão do meio-dia vindo do elevado minarete da Mesquita de Al-Aqsa.
— O que ele está dizendo? — perguntou Donati.
— Não sobreviveria à tradução — respondeu Gabriel.
— É tão ruim?
— Infelizmente, sim.
A primeira estação ficava num curto lance de escadas na Escola Primária Umariya, um
madraçal, onde o notório terrorista islâmico Abu Nidal estudara. De acordo com os
Evangelhos e a tradição cristã, fora ali que Pôncio Pilatos, o governador da então romana
província da Judeia, condenou Jesus à morte por crucificação. Quase dois milênios depois, o
papa Paulo VII parou no mesmo lugar, com os olhos fechados, e disse:
— Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
No mesmo instante, Donati e os outros membros da delegação se ajoelharam e
responderam:
— Porque pela vossa Santa Cruz remistes o mundo.
Gabriel consultou o relógio. Eram 12h05. Ainda havia treze paradas pela frente.
O escritório de Hassan Darwish tinha duas janelas. Uma dava para o sul, na direção do
Domo da Rocha e da Mesquita de Al-Aqsa; a outra se voltava para o oeste, onde ficavam a
Via Dolorosa e os domos da Igreja do Santo Sepulcro. O imã costumava manter as persianas
da segunda janela bem fechadas, para não ver o que considerava, revoltado, um templo do
politeísmo. Mas naquele momento, no dia mais trágico do calendário litúrgico cristão, ele se
postou ali, observando o pequeno homem tolo com vestes vermelhas e brancas liderando uma
procissão de macacos e porcos ao longo da rua do sofrimento. No instante seguinte, quando o
papa entrou na Igreja da Flagelação, Darwish fechou as persianas com um estalo e foi até a
outra janela. O Domo da Rocha, o símbolo da ascendência islâmica sobre a cidade de Deus,
assomava no horizonte. O imã olhou de relance para o relógio de pulso e começou a rezar o
masbaha, passando os dedos ansiosamente pelas contas, esperando a terra se mover.
No King Saul Boulevard, Dina Sarid mantinha uma vigília tensa de natureza bem
diferente. A sala onde ela trabalhava não possuía janelas e as paredes estavam cobertas com
os fragmentos da operação que acabara de ser concluída com sucesso em Viena, do começo ao
fim, passo a passo, elo a elo: Claudia Andreatti a Cario Marchese, a David Girard, a Massoud
Rahimi, aos quatro terroristas do Hezbollah que morreram perto da Stadttempel. Mas será que
os planos do Irã e do Hezbollah se resumiam apenas àquilo? Será que a sinagoga histórica era
o alvo real? Após horas de pesquisa e análise frenéticas, Dina temia que a resposta a ambas
as perguntas fosse um retumbante "não".

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