— Eu lembro — respondeu Gabriel, distante.
Por um instante, ele se viu passando pelo pátio da Academia Bezalel de Artes e Design
em Jerusalém, naquela tarde ensolarada em setembro de 1972. Do nada, surgiu um homem
esguio, com óculos escuros tenebrosos e dentes afiados. O homem não disse seu nome; não era
necessário. Era dele que se falava apenas por sussurros. O homem que roubou os segredos que
levaram à vitória-relâmpago de Israel na Guerra dos Seis Dias. O homem que capturou Adolf
Eichmann, diretor administrativo do Holocausto, numa esquina nas ruas da Argentina.
Como sempre, Shamron estava bem preparado naquele dia. Ele sabia, por exemplo,
que Gabriel descendia de uma longa linhagem de artistas talentosos, que falava alemão fluente
com um forte sotaque de Berlim e que era casado com uma colega estudante de arte chamada
Leah Savir. Ele também tinha conhecimento de que Gabriel, criado por uma mulher que
sobrevivera ao campo de concentração de Birkenau, guardava segredos como ninguém.
— A operação será chamada Ira de Deus — explicou ele naquele dia. — Não se trata
de justiça. Trata-se de vingança, pura e simplesmente. Queremos vingar as onze vidas
inocentes perdidas em Munique.
Gabriel disse a Shamron para procurar outra pessoa.
— Eu não quero outra pessoa — afirmou Shamron. — Eu quero você.
Essa foi uma das muitas discussões que Shamron venceria. Repetidas vezes, ele tinha
conseguido manipular Gabriel para cumprir suas ordens, sempre apresentando alguma
desculpa, alguma pequena tarefa operacional, para manter seu prodígio ao alcance do
Escritório. Era o desejo de Ari que Allon assumisse seu lugar na diretoria no King Saul
Boulevard. Gabriel, porém, num ato final de desafio, rejeitou a oferta, passando o cargo para
um velho rival chamado Uzi Navot. Por um tempo, pareceu que Navot estava disposto a agir
como fantoche de Shamron. Mas, tendo consolidado seu domínio sobre o Escritório, ele
banira o outro para o deserto da Judeia, rompendo os laços do velho com o serviço de
inteligência que ele criou. Agora Shamron vivia uma espécie de exílio interno em seu casarão
com vista para o mar da Galileia. Os políticos e generais que costumavam buscar seus
conselhos não iam mais até ele. Para ocupar as horas vazias, Shamron consertava rádios
antigos e tentava imaginar algum jeito de persuadir Gabriel, a quem ele amava como um filho,
a voltar para casa.
— Com que freqüência ele liga para saber de mim?
— Nunca — respondeu Pazner, balançando a cabeça para dar ênfase.
— Com que freqüência, Shimon?
— Duas vezes por semana, às vezes três. Eu tinha acabado de falar com ele pelo
telefone quando você me ligou.
— O que ele queria?
— O King Saul Boulevard está em alvoroço. Eles estão convencidos que algo está
prestes a acontecer. Algo grande.
— Eles têm alguma idéia do alvo?
Pazner deu uma última tragada no cigarro e jogou a guimba na escuridão.
— Pode ser uma embaixada ou um consulado. Talvez uma sinagoga ou um centro
comunitário. Eles acham que vai acontecer no sul, provavelmente em Istambul ou Atenas, mas
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1