Ferrari aceitou o cargo e fez exatamente o oposto. Dias após chegar no palazzo, ele
informou a metade da equipe que seus serviços não eram mais necessários. Em seguida,
passou a modernizar a organização que fora abandonada para definhar. Ele encheu a divisão
com policiais jovens e agressivos, conseguiu permissão para grampear os telefones de
criminosos conhecidos e abriu escritórios nas regiões do país onde os ladrões de fato
roubavam arte, em especial no sul. E, o mais importante, adotou muitas das técnicas que usara
contra a Máfia durante seus dias em Nápoles. Ferrari não tinha muito interesse pelos pequenos
marginais envolvidos no roubo de arte. Ele queria os peixes grandes, os chefões que levavam
os bens roubados ao mercado. Não levou muito tempo para sua nova abordagem surtir efeito.
Dezenas de ladrões importantes foram parar atrás das grades e as estatísticas referentes a
roubos de obras, embora ainda impressionantemente altas, mostraram uma melhora. O palazzo
não era mais um asilo. Passou a ser o lugar aonde os melhores e mais brilhantes iam para fazer
nome. E aqueles que não estavam à altura acabavam no escritório de Ferrari, encarando o olho
inclemente de Deus.
Uma carreira de quatro décadas no governo italiano deixou o general com uma
capacidade limitada para surpresas. Mas ele não foi capaz de esconder a perplexidade ao ver
o lendário Gabriel Allon entrando em seu escritório no começo da tarde, seguido por sua
esposa veneziana, linda e muito mais jovem. A cadeia de eventos que os levou até Ferrari fora
posta em movimento quatro horas antes, quando Gabriel, observando o cadáver parcialmente
emulsionado de Roberto Falcone, chegou à desanimadora conclusão de que aquela cena de
crime não poderia de forma alguma ser abandonada. Em vez de contatar as autoridades, ele
ligou para Donati, que, por sua vez, telefonou para Lorenzo Vitale, da polícia do Vaticano.
Depois de uma conversa desagradável que levou cerca de quinze minutos, ficou decidido que
Vitale abordaria Ferrari, com quem ele tinha trabalhado em diversos casos. Ao final da tarde,
o Esquadrão de Arte estava em Cerveteri, com uma equipe da divisão de crimes violentos de
Lazio. E, ao pôr do sol, Gabriel e Chiara entregaram suas armas e foram colocados na traseira
de um sedã dos Carabinieri, seguindo em direção ao palazzo.
Havia diversas pinturas penduradas no escritório de Ferrari — algumas bem
danificadas, outras sem moldura —, recuperadas de ladrões de arte ou colecionadores
corruptos. As obras ficavam no escritório, às vezes por semanas ou meses, até que pudessem
ser devolvidas aos seus proprietários. Na parede atrás da escrivaninha, reluzente como se
tivesse acabado de ser restaurado, estava Natividade com São Francisco e São Lourenço, de
Caravaggio. Era uma cópia, claro; a versão original fora roubada da Igreja de São Lourenço
em Palermo, em 1969, e nunca mais vista desde então. Encontrar esse quadro era uma
obsessão de Ferrari.
— Dois anos atrás — contou ele —, eu achei que finalmente o encontrara. Um ladrão
de rua qualquer me falou que a pintura estava escondida numa casa na Sicília. Ele disse que
me diria o endereço se eu não o prendesse por roubar um retábulo de uma igreja num vilarejo
próximo a Florença. Eu aceitei a oferta e invadimos a propriedade. Não achamos a obra, mas
encontramos isto. — Ferrari passou uma pilha de fotografias Polaroid para Gabriel. — É de
partir o coração.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1