ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

Gabriel viu as imagens. Elas retratavam uma pintura que resistira bem aos quarenta
anos que passara escondida em algum lugar subterrâneo. As beiras da tela estavam esfiapadas
devido a cortes feitos com gilete para tirá-la da moldura, e rachaduras e arranhões profundos
marcavam o quadro outrora glorioso.
— O que aconteceu com o ladrão que deu o endereço?
— Foi preso.
— Mas a informação que ele deu era boa.
— Isso é verdade. Mas não chegou a tempo. E, neste ramo, timing é tudo. — Ferrari
deu um pequeno sorriso. — Se algum dia encontrarmos a pintura, a restauração vai ser difícil,
mesmo para um homem com os seus talentos.
— Vou propor um acordo, general: você a encontra e eu a restauro.
— Ainda não estou disposto a fazer acordos, Allon.
Ferrari recolheu as fotos do Caravaggio perdido e as guardou no arquivo. Ele ficou
olhando pela janela, contemplativo, lembrando um pouco o retrato do doge Leonardo Loredan
feito por Bellini. Parecia considerar se deveria enviar Gabriel para as câmaras de tortura do
outro lado da Ponte dos Suspiros.
— Vou começar esta conversa contando tudo o que sei. Assim você se sentirá menos
inclinado a mentir para mim. Sei, por exemplo, que seu amigo, o monsenhor Donati, o chamou
para restaurar A deposição de Cristo para a galeria do Vaticano. Também sei que ele pediu a
você para ver o corpo da dottoressa Claudia Andreatti ainda na basílica e que, em seguida,
você iniciou uma investigação particular das circunstâncias de sua trágica morte. Essa
investigação o levou a Roberto Falcone. E agora o trouxe até aqui, ao palazzo.
— Já estive em lugares muito piores que este.
— E vai conhecer outros, a menos que coopere.
O general acendeu um cigarro norte-americano. Ele o segurava com a mão esquerda,
meio desajeitado. A outra, que não tinha dois dedos, estava sobre seu colo, fora de vista.
— Por que o monsenhor está tão preocupado com essa mulher? — perguntou.
Gabriel falou da investigação das antigüidades do Vaticano.
— Eu fui levado a crer que não se tratava de nada além de um inventário de rotina.
— Talvez tenha começado dessa forma. Mas parece que em algum momento Claudia
descobriu algo a mais.
— Você sabe o quê?
— Não.
Ferrari observou Gabriel como se não acreditasse plenamente nele.
— Por que você se enfiou na casa de Falcone?
— A Dra. Andreatti entrou em contato com ele pouco antes de sua morte.
— Como você sabe?
— Encontrei o número dele no registro telefônico da doutora.
— Ela ligou para ele de seu escritório no Vaticano?
— Não, do celular.
— E como você, um estrangeiro residindo temporariamente neste país, conseguiu obter
os registros telefônicos de uma cidadã italiana?

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