ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

Piazza Di Sant'Ignazio, Roma
Um dos privilégios do trabalho no palazzo era o Le Cave. Considerado um dos
melhores restaurantes de Roma, ficava a poucos passos da entrada do prédio, num canto
silencioso da piazza. No verão, as mesas eram postas em fileiras bem alinhadas ao longo da
rua de pedras, mas naquela tarde de fevereiro estavam empilhadas contra a parede. O general
Ferrari chegou sem aviso prévio e foi imediatamente conduzido, junto com seus dois
convidados, à mesa nos fundos do restaurante. Um garçom trouxe um prato de arancini di riso
e vinho tinto da Campânia. Ferrari fez um brinde ao casamento que, por enquanto, ainda estava
por ser consumado. Pegando um dos croquetes de risoto, ele falou com certo desdém sobre um
homem chamado Giacomo Medici.
Embora não tivesse nenhuma relação com a dinastia de banqueiros de Florença, Medici
compartilhava a paixão da família pelas artes. Negociante de antigüidades sediado na Itália e
na Suíça, por décadas ele tinha discretamente providenciado obras de alta qualidade para
alguns dos negociantes, colecionadores e museus mais proeminentes do mundo. Mas, em 1995,
seu lucrativo empreendimento começou a ruir quando as autoridades suíças e italianas
invadiram seu armazém em Genebra e encontraram um tesouro sem proveniência, parte do
qual recém-escavado. A descoberta desencadeou uma investigação internacional liderada pelo
Esquadrão de Arte que acabou alcançando alguns dos maiores nomes no mundo da arte. Em
2004, um tribunal italiano condenou Medici por tráfico de antigüidades roubadas e ele
recebeu a sentença mais severa já imposta por esse crime: dez anos na prisão e uma multa de
10 milhões de euros. Os promotores usaram as evidências contra Medici para conseguir que
diversos museus devolvessem artefatos roubados. Entre os itens, estava a famosa cratera de
Eufrônio, que o Museu Metropolitano de Arte de Nova York concordou, não sem certa
relutância, em entregar para a Itália em 2006. Medici, que foi acusado de desempenhar um
papel fundamental no roubo do vaso, tinha tirado uma foto famosa em frente a ele no Met, com
as mãos no quadris. O general Ferrari imitou a pose no dia em que a peça foi colocada com
triunfo em seu novo lugar no museu Villa Giulia, em Roma.
— Somando tudo — continuou Ferrari Medici foi responsável pelo roubo de milhares
de antigüidades do solo italiano. Mas ele não agiu sozinho. Sua operação era como uma
cordata, uma corda que se estendia dos tombaroli aos capi zoni, passando pelos negociantes e
pelas casas de leilão e chegando, por fim, aos colecionadores e museus. E não devemos nos
esquecer de nossos bons amigos da Máfia. Nada funciona sem a aprovação deles. E nada entra
no mercado sem um pagamento aos chefes.
Ferrari passou um instante contemplando sua mão destruída antes de continuar.
— Nós não gastamos dez anos e milhões de euros só para derrubar um homem e alguns
de seus subordinados. Nossa meta era destruir uma rede que estava lentamente pilhando os
tesouros legados a nós por nossos ancestrais. Contra todas as probabilidades, fomos bem-
sucedidos. Mas temo que nossa vitória tenha sido apenas temporária. A pilhagem continua. Na
verdade, está pior que nunca.
— Uma nova rede substituiu a de Medici?
Ferrari assentiu e tomou um gole de vinho.

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