ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Se for feita confidencialmente.
— Isso pode não ser possível. Mas o melhor jeito de cuidar dos interesses de seus
amigos é aceitando minha oferta. Caso contrário, não temos como saber que tipo de sujeira
surgirá daí.
— Isso soa como chantagem.
— Sim — concordou Ferrari, reflexivo. — Suponho que sim.
Ele deu um pequeno sorriso, mas sua prótese ocular encarava fixamente o espaço à
frente. Era como contemplar uma pessoa num quadro, pensou Gabriel, o olho onisciente de um
Deus impiedoso.
Naquele momento, era necessário pensar no que dizer ao público sobre a morte infeliz
de Roberto Falcone. A questão se resumiu a uma escolha entre diferentes táticas: tratar tudo
com discrição ou, nas palavras de Gabriel, anunciar o fato com alarde e, dessa forma, ajudar
na própria investigação. Ferrari preferiu a segunda opção, pois, assim como Gabriel, tinha
certa inclinação à teatralidade operacional. Além do mais, era época de determinar
orçamentos numa temporada de austeridade, e Ferrari precisava de uma conquista, mesmo que
fosse inventada, para garantir ao Esquadrão de Arte seus invejáveis níveis de financiamento
por mais um ano fiscal.
E assim, no fim da manhã seguinte, Ferrari convocou a mídia ao palazzo para o que ele
prometeu que seria um grande anúncio. Visto que o dia tinha sido um tanto parado em termos
de notícias, os órgãos de imprensa vieram em massa, esperando conseguir algo que pudesse
de fato vender jornal ou levar o telespectador a pausar por alguns segundos antes de seguir
para o próximo canal. Como sempre, o general não desapontou. Vestido de maneira impecável
em seu uniforme azul dos Carabinieri, ele andou a passos largos até o pódio e relatou uma
história tão antiga quanto a própria Itália. Era a história de alguém que se passava por um
homem de posses modestas, mas que era, na verdade, um dos maiores ladrões de antigüidades
do país. Lamentavelmente, ele fora assassinado com brutalidade, talvez em alguma disputa
com colegas por dinheiro. Ferrari não explicou como o corpo tinha sido encontrado, mas
ofereceu suficientes detalhes macabros para garantir a primeira página nos tabloides mais
lidos. Então, numa excelente performance, ele puxou uma cortina preta e revelou um imenso
tesouro de artefatos recuperados na oficina do tombarolo. Os repórteres tiveram um
sobressalto. O general reluziu perante os flashes.
Desnecessário dizer que Ferrari não fez qualquer menção ao papel desempenhado por
Gabriel Allon, nem ao acordo um tanto maquiavélico que fora estabelecido entre os dois
durante o jantar no Le Cave. Também não divulgou o nome que tinha sussurrado no ouvido de
Gabriel quando eles se despediram na piazza.
Gabriel esperou a conferência de imprensa do general terminar antes de fazer a
ligação. Ficou claro por seu tom de voz que ela estava esperando seu telefonema.
— Estou numa reunião até as cinco. Que tal cinco e meia?
— No seu apartamento ou no meu?
— O meu é mais seguro.
— Onde?
— O vaso. — Ela desligou.

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