ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

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Villa Giulia, Roma
Numa cidade cheia de museus e maravilhas arqueológicas, a Villa Giulia, repositório
nacional italiano de arte e antigüidades etruscas, por alguma razão recebe poucas visitas e
costuma passar despercebida. Trata-se de um palazzo nos limites dos Jardins Borghese, que
no passado serviu como casa de campo do papa Julius III. No século XVI, o casarão dava
vista para os muros que cercavam Roma e as colinas suaves de Parioli, que agora estavam
cobertas de prédios. Abaixo das janelas do velho retiro papal, havia uma avenida larga que os
pedestres atravessavam por sua própria conta e risco. O pátio de entrada cheio de ervas
daninhas fora transformado em estacionamento para os funcionários, cujos veículos com para-
choques amassados e tinta descascada revelavam os baixos salários recebidos nos museus
estatais da Itália.
Gabriel chegou às 17h15 e seguiu para a galeria no segundo andar, onde o vaso de
Eufrônio, considerado uma das mais importantes obras de arte já criadas, era exibido num
simples display de vidro. Uma pequena plaqueta contava sua complexa história: ele havia sido
saqueado de uma tumba perto de Cerveteri em 1971, vendido para o Museu Metropolitano de
Nova York pela quantia absurda de um milhão de dólares e, graças aos incansáveis esforços
do governo italiano, finalmente devolvido ao seu verdadeiro lar. O patrimônio cultural fora
protegido, pensou Gabriel, passando os olhos pela sala deserta, mas a que custo? Quase cinco
milhões de pessoas visitam o Met todo ano, enquanto aqui, nos corredores desertos da Villa
Giulia, o artefato foi abandonado como uma bugiganga qualquer acumulando poeira numa
prateleira. Se ele pertencia a algum lugar, era à tumba do etrusco rico que o comprara de um
negociante grego 2.500 anos antes.
Gabriel ouviu o som de saltos altos e, ao se virar, viu uma mulher alta e elegante vindo
da galeria anexa. Seus cabelos escuros iam até a altura dos ombros e os grandes olhos
castanhos tinham um brilho de argúcia. O corte do terninho indicava uma fonte de renda além
do museu, assim como as jóias reluzindo na mão que ela estendeu em direção a Gabriel. Ela
manteve o aperto por alguns segundos a mais do que o necessário, como se esperasse
conhecê-lo havia um bom tempo. A mulher parecia ciente do impacto causado por sua
aparência.
— Você estava esperando alguém num jaleco?
— Só conheço um arqueólogo — respondeu Gabriel e normalmente ele está coberto de
pó.
A Dra. Verônica Marchese deu um breve sorriso. Ela tinha pelo menos 50 anos, mas,
mesmo sob a desagradável luz das lâmpadas de halogênio do museu, podia se passar
facilmente por alguém de 35. Quando o general Ferrari mencionara o nome dela, Gabriel logo
lembrou que ele aparecera dezenas de vezes nos e-mails de Claudia. E agora se dava conta de
que o rosto também era familiar. Ele o vira pela primeira vez em frente à Igreja de Santa Ana,
ao término da missa fúnebre de Claudia. Verônica estava um pouco distante das outras pessoas
e seus olhos não fitavam o caixão, mas Luigi Donati. Algo em seu olhar, recordou Gabriel,
parecera vagamente acusador.

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