abrigam diversos braços da administração do Vaticano. O tempo sombrio combinava com o
humor de Donati. Com a cabeça baixa e as mãos entrelaçadas atrás das costas, ele falava a
Gabriel de um jovem sério vindo de uma pequena cidade na Úmbria que ouviu o chamado
para se tornar padre e se juntou à intelectualmente rebelde Sociedade de Jesus, os Jesuítas,
tornando-se um defensor da doutrina controversa conhecida como Teologia da Libertação. No
começo dos anos 1980, durante um período de violência e revoluções na América Latina, ele
foi despachado para El Salvador com a missão de administrar uma escola e uma clínica. E foi
ali, nas montanhas de Morazán, que ele perdeu a fé em Deus.
— Os teólogos da libertação acreditam que a justiça terrena e a salvação eterna estão
inexoravelmente ligadas, que é impossível salvar uma alma se o corpo estiver acorrentado à
pobreza e à opressão. Na América Latina, esse tipo de pensamento nos levou direto para os
revolucionários de esquerda. As juntas militares nos consideravam como pouco mais que
subversivos comunistas. Assim como o polonês. Mas essa é uma história para outra ocasião.
Donati parou de andar, como se estivesse pensando que caminho deveria tomar. Por
fim, se voltou para a construção ocre que abrigava a sede da Rádio Vaticano. Erguendo-se
sobre a construção, estava a única visão desagradável da cidade-estado, a torre de
transmissão que levava as notícias e a programação da Igreja para um mundo cada vez mais
preocupado com questões terrenas.
— Havia um padre trabalhando comigo em Morazán — continuou Donati —, um jesuíta
espanhol chamado José Martinez. Certa noite, fui chamado para outro vilarejo, para conduzir
um parto. Quando voltei, o padre Martinez estava morto. O topo de seu crânio fora decepado,
e o cérebro, removido.
— Ele foi morto por um grupo de extermínio?
Donati assentiu lentamente.
— Foi por isso que levaram seu cérebro. Era o símbolo do que o regime e seus
defensores ricos mais odiavam em nós: nossa inteligência e nosso compromisso com a justiça
social. Quando eu pedi aos militares que investigassem a morte, eles riram da minha cara e me
avisaram que eu seria o próximo se não fosse embora.
— Você seguiu o conselho?
— Deveria ter seguido, mas a morte dele me deixou mais determinado ainda a ficar e
completar minha missão. Cerca de seis meses depois, um líder rebelde veio me ver. Ele sabia
quem matara o padre José: um homem chamado Alejandro Calderón. Ele era herdeiro de uma
família latifundiária que tinha laços estreitos com a junta governante. Alejandro mantinha uma
amante num apartamento na cidade de São Miguel. Os rebeldes planejavam matá-lo da
próxima vez que ele fosse vê-la.
— E por que eles contaram isso para você?
— Porque queriam minha bênção. Eu não a concedi, claro.
— Mas também não lhes pediu para que o poupassem.
— Não — admitiu Donati. — Também não avisei a Calderón. Três dias depois, o
corpo dele foi encontrado pendurado de cabeça para baixo num poste na praça central de São
Miguel. Em poucas horas, outro grupo de extermínio se dirigiu até nosso vilarejo. Mas
daquela vez eles estavam atrás de mim. Eu fugi pela fronteira para Honduras e me escondi
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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