ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

aconteceu.
— Por favor, não me diga que você tem algum relacionamento amoroso com ela.
— Eu levo meus votos a sério — afirmou Donati. — Verônica também. Somos bons
amigos, é só.
— Imagino que ela seja casada.
— Uma união infame. Seu marido é Cario Marchese. Ele é um dos empresários mais
bem-sucedidos do país. — Donati fez uma pausa e sua expressão se enrijeceu. — E também o
responsável pela morte de Claudia Andreatti.
De algum lugar além dos muros do Vaticano, o escapamento de um carro estourou,
soando como um tiro. Um bando de gralhas rodeou as árvores crocitando e saiu voando em
formação rumo ao domo da basílica. Gabriel as observou por um momento, considerando as
implicações da história que Donati acabara de contar. Ele sentiu como se estivesse vagando
embaixo de algum retábulo, esbarrando em imagens parciais escondidas por camadas de tinta:
uma mulher morta jazendo no chão de uma igreja, um ladrão de tumbas pagando por seus
pecados num tanque de ácido, um padre decaído buscando Deus nos braços de sua amante. Ele
tinha mil perguntas, mas sabia que não deveria quebrar o feitiço que dominara Donati.
Portanto, caminhou ao lado do monsenhor com o silêncio austero de um padre ouvindo alguém
confessar e esperou o amigo terminar de relatar seus pecados.
— Carlos descendia da Nobreza Negra — falou Donati as famílias aristocráticas
romanas que permaneceram fiéis ao papa após a conquista dos Estados Papais em 1870. Seu
pai fazia parte do círculo íntimo de Pio XII. Também tinha laços com a CIA.
— Que tipo de laços?
— Estava envolvido com o Partido Democrata Cristão. Depois da Segunda Guerra, ele
trabalhou com a CIA para impedir que os comunistas assumissem o controle da Itália. Milhões
de dólares em financiamentos secretos da Agência passaram por suas mãos antes da eleição
de 1948. Cario diz que eles costumavam dar malas cheias de dinheiro a seu pai no saguão do
Hotel Hassler.
— Parece que você e Cario se conhecem bem.
— Sim — confirmou Donati. — Assim como o pai, Cario é um membro bem— -visto
da corte papal. Ele também faz parte do conselho supervisor do Banco do Vaticano e sabe
tanto sobre as finanças da Igreja quanto eu. É o tipo de homem que não precisa pedir
permissão para entrar no Palácio Apostólico. Ele gosta de me lembrar que ainda estará no
Vaticano muito depois de eu ter partido.
— Quem o indicou para o banco?
— Eu.
— Por quê?
— Porque Verônica me pediu. E porque Cario pareceu o homem perfeito para o
trabalho. Ele tem laços antigos com o papado e é considerado um dos empresários mais
honestos num país conhecido pela corrupção. Infelizmente, descobri que estava enganado.
Cario Marchese controla o comércio internacional de antigüidades ilícitas. Mas essa é só a
ponta do iceberg. Ele está no topo de um império criminoso global, envolvido em tudo de

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