Os Marcheses viviam a uma curta distância da Piazza di Spagna, numa travessa
silenciosa da Via Veneto onde a marcha incessante do tempo parecia ter parado, mesmo que
por um breve instante, num período de esplendor. Essa era a Roma com a qual viajantes
sonhavam, embora raramente a vissem, a Roma de poetas e pintores e dos abastados. No
pequeno canto da Cidade Eterna onde ficava a propriedade de Cario, la dolce vita resistia.
Tratava-se de um vasto palazzo ocre em meio a uma área verde, envolta por uma grade
de ferro com tantas câmeras de segurança em cima que, com freqüência, era confundida com
uma embaixada ou um prédio do governo. Uma grande fonte barroca esguichava água no átrio
e, no hall, havia uma estátua sem braços de Hades, o deus do submundo. Ao lado dela, estava
Verônica Marchese, num belo vestido verde de seda. Ela cumprimentou Gabriel e Chiara
calorosamente e os conduziu ao longo do corredor largo cheio de pinturas em molduras
ornamentadas. Entre as telas, sobre colunas à altura do ombro, havia bustos e esculturas
romanas. Todas aquelas obras podiam muito bem estar num museu.
— A família Marchese coleciona há muitas gerações — explicou ela, com um quê de
desaprovação na voz. — Eu não me importo com as pinturas, mas as antigüidades têm sido
uma fonte de constrangimento para mim, pois já me pronunciei uma vez comparando
colecionadores com saqueadores. Se os ricos parassem de comprar antigüidades, os tombaroli
não fariam mais seu trabalho.
— Seu marido tem um excelente gosto — elogiou Chiara.
— Ele tem uma ótima assessora — replicou Verônica, brincalhona. — Mas não somos
responsáveis por nenhuma dessas aquisições. Os ancestrais de Cario as compraram muito
antes de haver qualquer lei restringindo o comércio de artefatos antigos. Mesmo assim, estou
tentando convencê-lo a doar ao menos uma parte da coleção, para que o público finalmente
possa vê-la. Receio que ainda tenha algum trabalho pela frente.
No fim do corredor, havia uma porta dupla que levava à imensa sala de estar, com as
paredes cobertas por tapeçarias. A mobília era majestosa e elegante, assim como os
convidados entre eles. Gabriel esperava um jantar tranqüilo para seis pessoas, mas a sala
tinha mais de vinte convidados, incluindo o ministro da Fazenda italiano, o apresentador de
um influente talk show e uma das sopranos mais populares do país. Donati se isolara numa das
pontas de um sofá brocado. Ele estava vestindo um traje clerical trespassado e compartilhava
algumas fofocas bem ensaiadas da Cúria com duas mulheres cobertas de jóias, que pareciam
se encantar com cada palavra.
Do outro lado do aposento, cercado por um grupo de empresários de aparência
próspera, se achava Cario Marchese. Ele tinha os ombros quadrados de um atleta e estava
arrumado como para uma sessão de fotos. Seus pequenos óculos sem aros davam um ar de
solenidade eclesiástica ao rosto de traços bem equilibrados, e ele gesticulava com a mão
imaculada, que nunca devia ter empunhado qualquer ferramenta além de uma caneta Montblanc
ou um garfo de prata. Sua semelhança com Donati era inconfundível. Era como se Verônica,
tendo perdido Donati para a Igreja, tivesse adquirido outra versão do homem, sem o colarinho
romano e a consciência.
Quando Gabriel e Chiara entraram na sala, várias cabeças se voltaram ao mesmo
tempo e a conversa foi interrompida por alguns segundos antes de ser retomada num murmúrio
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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