ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Suponho que você reconheça o artista.
— Guido Reni — respondeu Gabriel —, com grande ajuda de um ou dois de seus
melhores assistentes, se não me engano.
— É isso mesmo. Está na coleção da minha família há mais de dois séculos.
Infelizmente, já se passaram muitos anos desde sua última restauração. Eu gostaria de saber se
você aceitaria trabalhar nele depois que terminar o Caravaggio.
— Sinto dizer que já assumi outro compromisso.
— Foi o que ouvi falar. — Cario olhou para Gabriel. — Sei que o monsenhor Donati
lhe pediu que investigasse a morte de Claudia. — Ele acrescentou em voz mais baixa: — O
Vaticano nada mais é que uma aldeia, Sr. Allon. E aldeões gostam de fofocar.
— Fofocas podem ser perigosas.
— Assim como investigações delicadas no Vaticano.
Cario encarou Gabriel sem piscar. Em geral os homens evitavam olhar direto em seus
olhos, mas não o Sr. Marchese. Ele tinha uma confiança tranqüila e aristocrática, beirando a
arrogância. Era um homem sem medo.
— O Vaticano é como um labirinto — continuou Cario. — Você deveria saber que
certas forças dentro da Cúria acreditam que o monsenhor Donati abriu, sem querer, uma caixa
de Pandora que prejudicará ainda mais a reputação da Igreja. Elas também se ressentem do
fato de ele ter decidido colocar essa questão nas mãos de um forasteiro.
— Suponho que você compartilhe essa opinião.
— Tenho minhas dúvidas. Mas aprendi pela experiência que, quando se trata do
Vaticano, é melhor deixar os esqueletos dentro do armário.
— E também mulheres mortas?
Cario pareceu impressionado com a ousadia de Gabriel.
— Mulheres mortas são como cofres de banco... — respondeu ele, com uma
sinceridade surpreendente — quase sempre contêm segredos desagradáveis. — Cario tirou um
cartão comercial de um estojo de prata. — Espero que você reconsidere minha oferta de
trabalho. Posso garantir que a compensação será mais que adequada.
Enquanto Gabriel guardava o cartão no bolso, ouviram-se sinos convocando os
convidados para a refeição. Cario colocou uma das mãos nas costas dele, perto da cintura, e o
conduziu de volta à escadaria. Pouco depois, Gabriel sentou-se ao lado de Chiara.
— O que ele queria? — perguntou ela, falando rapidamente em hebraico.
— Acho que ele estava tentando me colocar na folha de pagamentos da família
Marchese.
— Só isso?
— Não. Ele também quis verificar se eu estava armado.
Eles saíram do palazzo pouco depois da meia-noite. Caíam flocos de neve do tamanho
de hóstias e um sedã do Vaticano os aguardava na calçada. O veículo seguiu Donati, Gabriel e
Chiara devagar enquanto eles percorriam as calçadas vazias da Via Veneto. Chiara segurou
firme no braço do marido, seu cabelo cada vez mais branco por causa da neve. O monsenhor
caminhou ao lado dela sem dizer uma palavra. Um momento antes, ao se despedir de Verônica

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