ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

com um beijo formal na bochecha, ele sorria. Agora, diante da perspectiva de uma noite longa
e fria numa cama vazia, seu humor estava perceptivelmente sombrio.
— Foi impressão minha ou você se divertiu nesta noite? — perguntou Gabriel.
— Sempre me divirto. É a parte mais difícil de passar algum tempo com ela.
— Então por que você passa?
— Verônica está convencida de que é um teste de fé jesuíta: eu me aproximo da
tentação de propósito para ver se Deus me ajudará a não cair.
— E ela tem razão?
— Não é nada tão inaciano. Eu gosto da companhia dela, só isso. A maior parte das
pessoas não consegue ver nada além do colarinho romano, mas, para Verônica, isso não
importa. Ela me faz esquecer que sou um padre.
— E o que acontece se você fracassar nesse teste?
— Eu nunca permitiria que isso ocorresse. Nem Verônica. — Donati acenou para o
carro. Em seguida, se voltou para Gabriel e perguntou: — Como foi sua reunião com Cario?
— Bem profissional.
— Ele mencionou meu nome?
— Ele falou de você num tom extremamente elogioso.
— O que ele queria?
— Cario acha que seria uma boa idéia se eu abandonasse a investigação.
— Imagino que ele não tenha confessado o assassinato de Claudia Andreatti.
— Não, Luigi.
— E agora?
— Vou encontrar algo irresistível — respondeu Gabriel. — E quebrar em pedaços.
— Desde que não seja minha Igreja... nem eu.
Donati fez dois movimentos solenes com sua mão comprida, um vertical, outro
horizontal, e desapareceu na traseira do carro.
Quando Chiara e Gabriel chegaram à Via Gregoriana, a neve já tinha parado de cair.
Gabriel parou no começo da rua e olhou colina acima, na direção da Igreja de Trinità dei
Monti. As lâmpadas dos postes estavam apagadas; o governo se esforçava mesmo para
preservar valiosos recursos. Parecia que Roma voltara no tempo. Gabriel não teria ficado
surpreso se visse uma carruagem passando.
Os carros estavam estacionados em fila compacta ao lado das calçadas estreitas, assim
os dois andaram, como a maioria dos romanos, no meio da rua. Além do motor de um Fiat, não
havia som algum, só a batida rítmica dos saltos de Chiara. Gabriel sentia o calor do seio da
esposa pressionado contra seu ombro. Ele a imaginou deitada nua na cama, seu Modigliani
pessoal. Parte dele queria mantê-la lá até que ela ficasse grávida, mas isso não seria possível.
Ele estava dominado pela investigação. Abandoná-la seria como dar as costas a uma obra-
prima parcialmente restaurada. Ele perseguiria a verdade, não pelo general, nem mesmo por
seu amigo Luigi Donati, mas por Claudia Andreatti. A imagem da mulher deitada no chão da
basílica estava na atormentadora galeria de sua memória: A morte da virgem, óleo sobre tela,
por Cario Marchese.

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