ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

cima do muro na noite em que devastaram a Casa de Deus. Os restos mortais de Rivka estão
entre as pedras, e não embaixo delas, logo ela foi jogada por cima do muro ao mesmo tempo.
As fraturas no corpo todo da mulher também indicam isso.
Lavon observou o esqueleto respeitosamente por um instante, sem dizer nada.
— De acordo com Josefo, nossa única fonte de informações quanto ao que aconteceu
naquela noite, milhares de judeus correram para dentro do Templo depois de os romanos o
incendiarem. Suspeito que Rivka tenha sido uma dessas pessoas. Quem pode saber? — Ele
suspirou. — É possível que ela tenha visto o próprio Tito entrando no Santo dos Santos para
saqueá-lo. Depois disso... foi o inferno na Terra.
— Tito não foi o primeiro saqueador do mundo — comentou Gabriel. — E,
infelizmente, não foi o último.
— É o que dizem. — Lavon ergueu os olhos. — Também ouvi falar que alguém tentou
atirar em você em Roma.
— Na verdade, acho que ele estava mirando na minha esposa.
— Isso é um tanto insensato. Ainda está vivo?
— Por enquanto.
— Alguma idéia de quem o enviou?
Gabriel jogou o fragmento de cerâmica grega dentro da vala. Lavon o capturou no ar
com destreza antes que batesse nas pedras do Templo e o examinou sob o brilho de suas
lâmpadas de halogênio.
— Vaso ático de pinturas vermelhas do século V a.C., provavelmente uma pintura de
Menelaus.
— Muito impressionante.
— Obrigado — agradeceu Lavon. — Mas nunca mais jogue isso dessa forma.
A Cidade Antiga de Jerusalém estava ligada à Cidade Nova por uma passarela. Ela se
estendia do Portão de Jaffa até o cintilante Mamilla Mall, um dos poucos lugares no país onde
árabes e judeus se misturam com relativamente pouca tensão. Como sempre, Gabriel e Lavon
discutiram aonde ir e acabaram se acomodando numa lanchonete elegante de estilo europeu. A
Israel de sua juventude fora uma terra sem televisão. Agora tinha todos os confortos do
Ocidente, com exceção da paz.
O volume de uma música technopop tornava impossível conversar do lado de dentro,
então eles sentaram no terraço iluminado pelo sol, numa mesa com vista para os muros da
Cidade Antiga. A brisa despenteava o cabelo fino de Lavon. Ele tomou um tablete de antiácido
antes de tocar na comida.
— Ainda? — perguntou Gabriel.
— É eterno, que nem Jerusalém.
Gabriel sorriu. Às vezes, ele achava difícil associar aquela figura formal e
hipocondríaca sentada à sua frente a um dos melhores especialistas em vigilância urbana que o
Escritório já produzira. Ele trabalhara com Lavon pela primeira vez durante a Operação Ira de
Deus. Eles tinham sido companheiros quase constantes por três anos, matando de noite e em
plena luz do dia, vivendo com medo de serem presos a qualquer momento pela polícia
europeia. Quando a unidade enfim foi desfeita, Lavon começou a sofrer de inúmeras

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