ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

história. O topo de sua lista de conquistas, ao menos em termos monetários, era ocupado pelo
Auto-retrato com a orelha cortada, de Van Gogh. Roubado da Galeria Courtauld em Londres, a
obra estava pendurada na parede do palácio de um xeique saudita que tinha uma inclinação
por violência com facas.
Mas foi a ligação de Maurice Durand com um trabalho menos conhecido — Retrato de
uma jovem, óleo sobre tela, de Rembrandt van Rijn — que o levara à aliança improvável com
o serviço secreto de inteligência de Israel. Depois de aceitar uma comissão para roubar o
quadro, Durand descobriu dentro dele uma lista com várias contas de bancos suíços cheias de
bens roubados durante o Holocausto. Gabriel usou esse documento para chantagear um
bilionário suíço chamado Martin Landesmann, forçando-o a vender um carregamento de
centrífugas industriais sabotadas para seus fiéis clientes do Irã. Ao término da operação,
Gabriel decidiu não fazer nada contra Durand, pois algum dia o Escritório poderia precisar
dos serviços de um ladrão profissional.
E foi por isso que, 24 horas após chegar a Paris, Eli Lavon surgiu à entrada da pequena
loja no número 106 da rue de Miromesnil. Ele apertou a campainha, que emitiu um uivo
inóspito. Em seguida, as trancas se abriram com um baque surdo e Lavon, sacudindo a chuva
do sobretudo molhado, entrou pela porta.
— Roubou algo ultimamente, monsieur Durand?
— Nem sequer um beijo, monsieur Lavon.
Os dois homens avaliaram um ao outro por um momento, sem falar. Eles tinham mais ou
menos a mesma altura e constituição física, mas as semelhanças terminavam aí. Lavon estava
com um visual que ele chamava de revolucionário chique da Rive Gaúche e Durand se vestia
impecavelmente com um terno sóbrio risca de giz e uma gravata lavanda. Sua cabeça careca
reluzia como vidro polido sob a iluminação moderada. Ele fitava o agente sem piscar, com
seus olhos escuros inexpressivos.
— Como posso ajudá-lo? — perguntou, ainda que ajudar Lavon fosse a última coisa no
mundo que Durand tivesse vontade de fazer.
— Estou procurando algo especial — respondeu Lavon.
— Bem, então você veio ao lugar certo. — Durand foi até uma vitrine cheia de
microscópios. — Este acabou de chegar — disse, passando a mão na superfície oxidada de
um dos instrumentos. — Foi feito pela Nachet & Sons em Paris, em 1890. As partes óticas e
mecânicas estão em boas condições. Assim como a caixa de madeira de nogueira.
— Não é esse tipo de coisa que busco, monsieur Durand.
— Parece que chegou a hora de pagar a conta.
— Você fala como se fôssemos chantageadores — comentou Lavon, dando seu sorriso
mais benevolente. — Mas posso assegurar que esse não é o caso.
— O que você quer?
— Seus conhecimentos.
— Eles são caros.
— Não se preocupe, Maurice: dinheiro não será um problema.
A chuva os perseguiu pela Place de la Concorde e ao longo das margens do Sena. Não
era a agradável chuva parisiense evocada por cantores e poetas, e sim uma torrente gélida que

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