ANJO CAÍDO

(Carla ScalaEjcveS) #1

O Cézanne, contudo, não recebeu maus tratos. Durante as últimas horas de estadia da
equipe em Paris, Gabriel cuidou das feridas na pintura com cuidado, como se ela fosse um
paciente internado na UTI. Sua meta era tratar a imagem para que a pintura pudesse ser
devolvida ao dono nas mesmas condições em que fora encontrada. Nenhum ladrão de arte
comum teria feito algo assim, mas o compromisso de Gabriel com a verossimilhança
operacional só ia até certo ponto. Antes de mais nada, ele era um restaurador, e zelar pelo
Cézanne ajudou a aliviar sua culpa por ter quebrado o vaso.
Ele considerou por um momento colocar a pintura numa moldura, mas descartou a
possibilidade, pois tornaria mais difícil transportar o quadro com segurança. Em vez disso,
ele aderiu uma camada de toalhas de papel à superfície usando uma cola de rabo de coelho
preparada na cozinha do flat no Bois de Boulogne. Na manhã seguinte, com a cola já seca,
colocou a tela de volta no tubo de papelão e o transportou até a embaixada israelense no
número 3 da rue Rabelais. O encarregado local relutou um pouco em aceitar o item roubado,
mas cedeu depois de receber uma ligação de Uzi Navot. Gabriel posicionou a pintura num
canto livre de umidade, dentro do cofre da embaixada, e ajustou o termostato a confortáveis
20 graus. Em seguida, foi para a Gare de Lyon e embarcou no trem do meio-dia com destino a
Zurique.
Gabriel passou as quatro horas de viagem planejando a próxima etapa da operação. Às
seis horas da noite, conduzia um sedã Audi alugado pela agradável Ban— hofstrasse. Sentado
a seu lado, com a bolsa de náilon entre os pés, estava Lavon.
— Suíça — falou ele, olhando triste pela janela. — Por que sempre tem que ser na
Suíça?


23


St. Moritz, Suíça
Já era março, o que significava que St. Moritz, a exótica cidade no vale Engadine que
costumava servir de resort, estava de novo dominada pela loucura. Na Via Serias,
possivelmente a rua comercial mais cara do mundo, aristocratas decadentes caminhavam sem
rumo pelas lojas da Chopard, Gucci, Chanel e Bulgari, ao lado de estrelas do cinema,
modelos famosas, políticos, magnatas e todos os seus acompanhantes. Eles disputavam as
melhores mesas no La Marmite ou no Terrace e, à noite, seguiam sorrindo para os cômodos
privativos da Dracula ou da Kings Club. Poucos se davam o trabalho de colocar um par de
esquis. Em St. Moritz, esquiar era um passatempo para quem não tinha nada melhor para fazer.
Porém, escondido numa silenciosa rua secundária, como uma pequena ilha de bom
senso, erguia-se o imponente e antigo Jägerhof Hotel. O fato de ser deselegante, austero e,
acima de tudo, fora de moda, não parecia afetar nem um pouco o estabelecimento. Na verdade,
parecia até contribuir. Os restaurantes não são dignos de nota. As amenidades, por assim
dizer, não estão entre as melhores. Não há spa, piscina interna ou casa noturna. A única música
que se ouve no Jägerhof vem do quarteto de cordas que se apresenta no salão toda tarde,
durante a apática calmaria chamada de après ski.

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