Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

Questiono-me o que verá ele em mim. Sim, fui uma moça bonita no
passado, mas estou hedionda agora, exausta, suja, doente, um esqueleto
ambulante. Não consigo suportar o meu próprio cheiro. Eu sei que se
interajo com ele vai acabar mal. Coloco a cabeça nos joelhos e finjo dormir.
Ele é esperto demais para isso.
— Você aí — chama ele.
Eu olho para cima. O homem montado no cavalo aponta
diretamente para mim.
— Sim, você. Levante-se. Venha comigo.
Eu me levanto. Estou morta. Eu sei. Rachel sabe também. Consigo
vê-lo nos seus olhos. Ela já não tem mais lágrimas para chorar.
— Lembre-se de mim — sussurro enquanto sigo o homem a cavalo
para as árvores. Felizmente ele não me pede para andar muito, apenas até
um local a alguns metros da beira da estrada, onde uma grande árvore
estava caída. Ele desmonta e amarra o cavalo. Senta-se na árvore caída e
ordena que me sente junto a ele. Eu hesito. Nunca um SS pediu tal coisa. Dá
umas palmadinhas na árvore. Eu me sento, mas alguns centímetros mais
afastada do lugar que ele indicou. Estou com medo, mas também me sinto
humilhada pelo meu cheiro. Ele desliza para mais perto. Cheira a álcool.
Estou feita. É só uma questão de tempo.
Olho em frente. Ele tira as luvas, e toca meu rosto. Em dois anos de
Birkenau, nenhum SS jamais me tocou. Por que este homem, um
Sturmbannführer, me toca agora? Suportei muitas tormentas, mas esta é de
longe a pior. Eu olho para a frente. A minha carne está em chamas.
— Que desperdício — diz ele. — Você era muito bonita antes?
Não consigo pensar em nada para dizer. Dois anos de Birkenau ,e
ensinaram que em situações como esta nunca há uma resposta certa. Se
respondo que sim, ele vai me acusar de arrogância judaica e me mata. Se
respondo não, me mata por mentir.
— Vou partilhar um segredo com você. Sempre me senti atraído
por judias. Se fosse por mim, devíamos ter matado os homens e usado as
mulheres para nosso prazer. Teve filhos?
Penso em todas as crianças que vi irem para o gás em Birkenau. Ele
exige uma resposta apertando rosto entre o polegar e os dedos. Fecho os
olhos e tento não gritar. Ele repete a pergunta. Eu nego com a cabeça e ele
me solta.
— Se conseguir sobreviver às próximas horas, talvez um dia tenha
um filho. Dirá a esse filho o que aconteceu com você na guerra? Ou sentirá
vergonha demais?

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