É minha vez de morrer.
O Sturmbannführer aponta a arma na minha direção. Da estrada
vem o som de gritos. Raus! Raus! Os SS estão espicaçando as moças para
que se levantem. Eu sei que minha caminhada acabou. Eu sei que não vou
sair deste lugar viva. É onde eu vou cair, à beira de uma estrada polonesa, e
aqui serei enterrada, sem mazevoth para marcar meu túmulo.
— O que vai dizer a seu filho sobre a guerra, judia?
— A verdade, Herr Sturmbannführer. Direi ao meu filho a verdade.
— Ninguém vai acreditar em você. — Guarda a pistola no coldre. —
Sua coluna está de partida. Junte-se a eles. Sabe o que acontece aos que
ficam para trás.
Ele monta em seu cavalo e sacode as rédeas. Eu caio na neve junto
aos corpos das minhas amigas. Rezo por elas e peço que me perdoem. O fim
da coluna passa. Cambaleio por entre as árvores e junto-me ao grupo.
Caminhamos a noite inteira, em ordenadas filas de cinco. Eu verto lágrimas
de gelo. Cinco dias depois de caminhar para longe de Birkenau, chegamos a
uma estação de trem na vila silesiana de Wodzislaw. Somos agrupadas em
vagões de carvão abertas e viajamos pela noite, expostas ao perverso
tempo de Janeiro. Os alemães já não tinham necessidade de desperdiçar
mais das suas preciosas munições conosco. O frio matou metade das moças
só no meu vagão. Chegamos a um novo campo, Ravensbrück, mas não há
comida para os novos prisioneiros. Após alguns dias, alguns de nós
prosseguem, desta vez em caminhão de carroceria aberta. Termino a minha
odisseia num campo em Neüstadt Glewe. Em 2 de maio de 1945,
acordamos para descobrir que os nossos atormentadores SS abandonaram
o campo. Mais tarde, nesse dia, somos libertadas por soldados americanos e
russos.
Passaram-se doze anos. Não há um dia em que eu não veja os rostos
de Rachel e Lene — e o rosto do homem que as assassinou. Suas mortes
pesam em mim. Tivesse eu repetido as palavras do Sturmbannführer e
talvez elas estivessem vivas e eu estaria num túmulo anônimo junto a uma
estrada polonesa. Apenas mais uma vítima sem nome. No aniversário de
suas mortes, digo-lhes as palavras de luto de Kaddish. Faço isto mais por
hábito do que por fé. Perdi minha fé em Deus em Birkenau.
O meu nome é Irene Allon. Antes me chamava Irene Frankel.
No campo era conhecida como prisioneira número 29.395, e isto é o
que eu testemunhei em janeiro de 1945, na marcha da morte de Birkenau.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
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