Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

tornozelos estavam amarrados por uma grossa fita adesiva prateada, e
estava amarrado com o cinto de segurança como um doente mental. Os
seus pulsos serviam como o portal entre os dois mundos. Apenas tinha de
os torcer num determinado ângulo para que a fita se cravasse
dolorosamente na pele e passaria a cortina do mundo dos sonhos para o
reino do real. Sonhos? Será apropriado chamar a tais visões sonhos? Não,
eram demasiado exatas, descritivas demais. Eram memórias, sobre as quais
ele não tinha controle, apenas o poder de as interromper por alguns
momentos infligindo dor em si próprio com a fita adesiva do judeu.
O seu rosto estava perto da janela, e o vidro estava desobstruído.
Ele era capaz, quando estava acordado, de ver a infindável região rural
negra e as desoladoras vilas escurecidas. Também era capaz de ler os sinais
na estrada. Não precisava dos sinais para saber onde estava. Algures,
noutra vida, ele tinha sido o senhor da noite nesta terra. Ele lembrava-se
desta estrada: Dachnow, Zukow, Narol... Ele sabia o nome da próxima vila,
mesmo antes desta passar pela janela: Belzec...
Fechou os olhos. Porquê agora, passados tantos anos? Depois da
guerra ninguém esteve assim tão interessado num mero oficial SD que
servira na Ucrânia — ninguém exceto os russos, claro — e no momento em
que o seu nome veio ao de cima com ligações à Solução Final, o General
Gehlen tinha providenciado a sua fuga e o seu desaparecimento.
A sua antiga vida fora deixada para trás em segurança. Tinha sido
perdoado por Deus e a sua Igreja e até mesmo pelos seus inimigos, que
gananciosamente tiraram proveito dos seus serviços quando também eles
se sentiram ameaçados pelo judaísmo-bolchevismo. Os governos
rapidamente perderam o interesse em proceder contra os, assim
chamados, criminosos de guerra, e amadores como Wiesenthal focaram a
atenção em peixe graúdo como Eichmann e Mengele, ajudando de forma
involuntária peixe mais miúdo como ele próprio a encontrar santuário em
águas calmas. Houve um susto sério. Em meados dos anos setenta, um
jornalista americano, um judeu, claro, que foi a Viena e colocou demasiadas
questões. Na estrada que sai de Salzburg para sul ele mergulhou numa
ravina, e a ameaça foi eliminada. Nessa altura agiu sem hesitar. Se tivesse
lançado Max Klein numa ravina ao primeiro sinal de ameaça... Reparara
nele naquele dia no Café Central, assim como nos dias que se seguiram. Os
seus instintos tinham-lhe dito que Klein representava uma ameaça. Ele
hesitou. Quando Klein levou a sua história ao judeu Lavon era demasiado
tarde.
Passou pela cortina outra vez. Estava em Berlim, sentado no

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