— Vou enviar a primeira metade de manhã.
— Não, vai enviar esta noite.
— Se insiste.
O Relojoeiro desligou o telefone ao mesmo tempo que cem sinos
tocaram em conjunto às quatro da tarde.
8
VIENA
GABRIEL NUNCA FOI fã de pastelarias vienenses. Havia algo no
cheiro
— uma mistura de tabaco, café, e licor entranhado — que ele
achava desagradável. E embora ele fosse sereno e sossegado por natureza,
não gostava de ficar sentado por longos períodos, desperdiçando tempo
precioso. Não lia em público porque temia que velhos inimigos estivessem
a segui-lo furtivamente. Bebia café apenas de manhã, para o ajudar a
acordar, e sobremesas suculentas punham-no doente. Conversas
espirituosas irritavam-no, e ouvir as conversas dos outros, em particular de
pseudo-intelectuais, deixavam-no à beira da loucura. O inferno, já provado
por Gabriel, seria uma sala onde fosse obrigado a ouvir uma discussão
sobre arte vinda de pessoas que nada sabem sobre ela.
Haviam passado mais de trinta anos desde que tinha estado no Café
Central. A pastelaria provou ser o passo final da aprendizagem com
Shamron, o portal entre a vida que levava antes do Departamento e o
mundo crepuscular que iria habitar depois. Shamron, no final do período
de treino de Gabriel, imaginara mais um teste para ver se ele estava ou não
pronto para a sua primeira missão. Largado à meia-noite nos arredores de
Bruxelas, sem documentos e sem um cêntimo no bolso, tinha-lhe sido
ordenado encontrar-se com um agente na manhã seguinte na Leidseplein
em Amsterdã. Usando dinheiro roubado e um passaporte que tirara a um
turista americano, conseguira arranjar maneira de chegar no trem da
manhã. O agente que encontrara à espera era Shamron. Este tinha aliviado
Gabriel do passaporte e do que lhe restava do dinheiro, em seguida dissera-
lhe para estar em Viena na tarde seguinte, vestindo roupas diferentes.
Tinham-se encontrado num banco de jardim do Stadtpark e caminhado até