Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

que morra antes de chegar ao crematório.
No outono de 1944, começamos a ouvir as armas russas. Em
Setembro, as sirenes de ataque aéreo soam pela primeira vez. Três
semanas mais tarde soam outra vez e as baterias antiaéreas do campo
disparam pela primeira vez. Nesse mesmo dia, o Soderkommajido do
Crematorium IV revolta-se. Atacam os guardas SS com picaretas e martelos
e conseguem lançar fogo à sua caserna e crematório antes de serem
abatidos por tiros de metralhadora. Uma semana depois, bombas caem
dentro do próprio campo. Os nossos mestres mostram sinais de tensão. Já
não parecem tão invencíveis. Às vezes até parecem um pouco assustados.
Isto dá-nos um certo prazer e um bocadinho de esperança. A intoxicação
por gás pára. Eles ainda nos matam, mas têm de o fazer eles próprios.
Prisioneiros selecionados são abatidos a tiro nas câmaras de gás ou perto
do Crematorium V. Em breve começam a desmantelar o crematório. A
nossa esperança de sobrevivência aumenta.
A situação se deteriora ao longo do outono e do inverno. A comida
escasseia. Muitas mulheres sucumbem e morrem de fome e exaustão cada
dia que passa. O tifo leva uma parte terrível. Em dezembro, bombas aliadas
caem no I.O. Farben, fábrica de combustível sintético e borracha. Alguns
dias mais tarde, os aliados atacam novamente, mas desta vez várias
bombas caem numa enfermaria dentro de Birkenau. Cinco SS morrem. Os
guardas ficam mais irritáveis, mais imprevisíveis. Eu os evito. Tento me
fazer invisível.
O novo ano chega, 1944 transforma-se em 1945. Conseguimos
sentir que Auschwitz está morrendo. Rezamos para que seja em breve.
Debatemos o que fazer. Deveríamos esperar que os russos nos libertassem?
Deveríamos tentar escapar? E se conseguíssemos passar para lá da
vedação? Onde iriamos? Os camponeses poloneses odeiam-nos tanto como
os alemães. Esperamos. Que mais podemos fazer?
Em meados de Janeiro, eu sinto o cheiro de fumo. Olho para fora da
porta da caserna. Fogueiras erguem-se por todo o campo. O cheiro é
diferente. Pela primeira vez não estão a queimar pessoas. Estão a queimar
papel. Estão a queimar as provas dos seus crimes. A cinza paira sobre
Birkenau como neve. Eu sorrio pela primeira vez em dois anos.
Em 17 de janeiro, Mengele parte. O fim está próximo. Pouco depois
da meia-noite, há uma chamada. Dizem que o campo inteiro de Auschwitz
está sendo evacuado. O Reich ainda precisa dos nossos corpos. Os
saudáveis serão retirados a pé. Os doentes ficarão para trás abandonados à
sua sorte. Agrupamo-nos e marchamos em ordenadas filas de cinco.

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