Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

O olhar calculado de Shamron, entretido com a xícara de café,
deixou bem claro que não havia nada que ele não soubesse sobre a vida de
Gabriel, inclusive o que tinha acontecido à mãe durante a guerra.
— Ela era de Berlim — disse Shamron. — Foi deportada para
Auschwitz em janeiro de 1943 e passou dois anos no campo para mulheres
de Birkenau. Deixou Birkenau numa marcha da morte. Ao contrário de
milhares de outros, ela conseguiu sobreviver e foi libertada por tropas
russas e americanas em Neüstadt Glewe. Estou esquecendo de alguma
coisa?
— Algo aconteceu na marcha da morte, algo que ela nunca
discutiria comigo. — Gabriel levantou a fotografia de Erich Radek. —
Quando Rivlin me mostrou isso em Yad Vashem, eu sabia que já tinha visto
essa cara em algum lugar. Levei algum tempo até me lembrar, mas
finalmente lembrei. Eu a vi quando era garoto numa tela no estúdio da
minha mãe.
— Foi por isso que foi a Safed, para ver Tziona Levin.
— Como sabe?
Shamron suspirou e sorveu o café. Gabriel, desanimado, contou a
Shamron sobre a sua segunda visita a Yad Vashem nessa manhã. Quando
colocou as páginas do testemunho da sua mãe na mesa, os olhos de Gabriel
permaneceram fixos no rosto de Shamron. Foi então que Gabriel percebeu
que Shamron já as tinha lido antes. O Memuneh sabia sobre a sua mãe. O
Memuneh sabia tudo.
— Você estava sendo considerado para uma das mais importantes
missões na história do Escritório — disse Shamron. — A voz não tinha
traço de remorso. — Precisava saber tudo o que pudesse sobre você. Seu
perfil psicológico militar descreve-o como um lobo solitário, egoísta, com a
frieza emocional de um assassino natural. A minha primeira visita a você
confirmou isso, embora eu também tenha achado você insuportavelmente
rude e clinicamente tímido. Eu queria saber por que você era como era.
Pensei que sua mãe seria um bom ponto de partida.
— Então procurou o testemunho dela em Yad Vashem? — Fechou
os olhos e abanou a cabeça uma vez. — Por que nunca me contou?
— Não era a minha função — disse Shamron, desprovido de
sentimento. — Apenas sua mãe podia contar tais coisas. Ela obviamente
carregou um pesado fardo de culpa até a morte. Ela não queria que você
soubesse. Não estava sozinha. Havia muitos sobreviventes como sua mãe
que nunca conseguiram enfrentar verdadeiramente suas lembranças. Nos
anos após a guerra, antes de você nascer, parecia que um muro de silêncio

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