Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

Borgo Santo Spirito. Tinha vindo ao local certo.
Encostou a cara ao vidro. A sala do outro lado estava repleta de
crucifixos, estátuas da Virgem, gravuras de santos mortos há muito,
rosários e medalhas, todos certificados com a bênção do próprio papa.
Tudo parecia estar coberto pelo mesmo pó fino da rua. O Relojoeiro,
embora educado num rigoroso lar católico austríaco, ponderava o que
levaria uma pessoa a rezar para uma imagem. Ele já não acreditava em
Deus ou na Igreja, nem acreditava no destino, intervenção divina, vida
depois da morte ou na sorte. Acreditava que os homens controlavam o
rumo das suas vidas, como o mecanismo de um relógio controlava o
movimento dos ponteiros.
Abriu a porta e entrou escoltado pelo tilintar de um pequeno sino.
Um homem surgiu de uma sala interior, vestindo camiseta bege com gola
em V, calça marrom sem vinco. No alto da sua cabeça, o seu cabelo frágil e
fino estava penteado com gel. O Relojoeiro, embora a vários passos de
distância, sentia o cheiro de sua desagradável loção pós-barba. Refletiu se
os homens do Vaticano sabiam que seus abençoados artigos religiosos
eram vendidos por tão repugnante criatura.
— Posso ajudá-lo?
— Estou à procura do Signor Mondiani.
Ele mexeu a cabeça dando a entender ao Relojoeiro que tinha
encontrado o homem que procurava. Um sorriso deslavado revelou que lhe
faltavam vários dentes.
— Você deve ser o cavalheiro de Viena — disse Mondiani. —
Reconheço a voz.

Ele estendeu a mão. Estava esponjosa e úmida, como o Relojoeiro
temia. Mondiani trancou a porta da frente e pendurou um aviso na janela
escrito em inglês e em italiano que informava que a loja estava fechada. Em
seguida, conduziu o Relojoeiro por uma porta e umas escadas de madeira
raquíticas. No alto dos degraus havia um pequeno escritório. As cortinas
estavam corridas e no ar sentia-se o aroma de um perfume de mulher. E
mais qualquer coisa azeda, tipo amoníaco. Mondiani gesticulou em direção
ao sofá. O Relojoeiro olhou para baixo; uma imagem passou-lhe pelos olhos.
Continuou de pé. Mondiani encolheu os ombros estreitos.
— Como queira.
O italiano sentou-se à mesa, ajeitou uns papéis e alisou o cabelo.
Estava pintado de um laranja escuro não natural. O Relojoeiro, a ficar
careca e com uma franja mal cortada, parecia estar a pô-lo mais
autoconsciente do que já estava.

Free download pdf