Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

margem para dúvidas, um dos mais corajosos homens da Argentina e de
toda a América Latina. Um jornalista e escritor paladino que dedicara toda
a sua vida a deitar abaixo os muros que cercam a Argentina do seu passado
assassino. Considerado controverso e demasiado perigoso para ser
contratado por editores argentinos, publicou a maior parte do seu trabalho
nos Estados Unidos e na Europa. Poucos argentinos, para além da elite
politica e financeira, alguma vez leram uma palavra que Ramirez tenha
escrito.
Já experimentara em primeira-mão a brutalidade Argentina.
Durante a Guerra Suja, a sua oposição à ditadura militar levou-o à cadeia,
onde passou nove meses e foi torturado quase até a morte. A sua mulher,
uma ativista de esquerda, fora raptada por um esquadrão da morte militar
e lançada viva de um avião para as águas geladas do Atlântico Sul. Se não
fosse pela intervenção da Amnistia Internacional, Ramirez teria certamente
sofrido o mesmo destino. Em vez disso, foi libertado, desfigurado e
abandonado quase irreconhecível para continuar a sua cruzada contra os
generais. Em 1983, eles afastaram-se, e um governo civil,
democraticamente eleito, tomou-lhes o lugar. Ramirez incitou o novo
governo a levar dúzias de oficiais do exército a julgamento por crimes
cometidos durante a Guerra Suja. Entre eles estava o capitão que lançou ao
mar a mulher de Alfonso Ramirez.
Nos anos recentes, Ramirez dedicou as suas notáveis competências
a expor outro desagradável capitulo da história argentina que o governo, a
imprensa, e a maioria dos seus cidadãos tinha optado por ignorar. No
seguimento da queda
do Reich de Hitler, milhares de criminosos de guerra — alemães,
franceses, belgas e croatas — tinham rumado à Argentina, com a entusiasta
aprovação do governo de Perón e a incansável ajuda do Vaticano. Ramirez
era desprezado nos bairros argentinos onde a influência dos nazistas ainda
se fazia sentir, e o seu trabalhou provou ser tão arriscado como investigar
os generais. Já por duas vezes o seu escritório fora bombardeado, e o seu
correio continha tantas cartas armadilhadas que os serviços postais se
recusavam a entregá-lo. Se não tivesse sido pela apresentação de Moshe
Rivlin, Gabriel duvidava que Ramirez concordasse em encontrar-se com
ele.
Dessa forma, Ramirez aceitou prontamente um convite para
almoçar e sugeriu um café de bairro em San Teimo. O café tinha o chão em
xadrez preto e branco com mesas de madeira redondas dispostas
aleatoriamente. As paredes eram caiadas com prateleiras embutidas cheias

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