Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

passagem, aquela alcançável através de uma porta de aço inoxidável com
uma fechadura de combinação. Kruz era uma das poucas pessoas em Viena
que sabia para onde a passagem conduzia e quem tinha vivido na casa do
outro lado.
O velho estava sentado numa pequena mesa, uma bebida à sua
frente. Kruz percebeu que ele estava inquieto, porque estava a girar o copo,
duas voltas para a direita, duas para a esquerda. Direita, direita, esquerda,
esquerda. Um estranho hábito, pensou Kruz. Ameaçador como o diabo.
Calculou que o velho o tivesse apanhado numa vida anterior, noutro
mundo. Uma imagem formou-se na mente de Kruz: um comissário russo
acorrentado a uma mesa de interrogatório, o velho sentado do outro lado,
vestido de preto dos pés à cabeça, girando a sua bebida e olhando para a
sua presa com aqueles olhos azuis insondáveis. Kruz sentiu o seu coração
dar um solavanco. Os pobres coitados estavam provavelmente cagados de
medo mesmo antes de as coisas se tornarem duras.
O velho levantou o olhar, o girar do copo parou. O seu olhar calmo
fixou a camisa de Kruz. Kruz olhou para baixo e viu que tinha os botões
desalinhados. Tinha-se vestido no escuro para não acordar a mulher. O
velho apontou para uma cadeira vazia. Kruz arranjou a camisa e sentou-se.
O girar do copo recomeçou, duas voltas para a direita, duas para a
esquerda. Direita, direita, esquerda, esquerda.
Falou sem saudar ou sem introdução. Era como se estivessem a
continuar uma conversa interrompida por alguém que bate à porta.
— Durante as passadas setenta e duas horas — disse o velho foram
planejados dois atentados contra a vida do israelense, o primeiro em Roma,
o segundo na Argentina. Infelizmente o israelense sobreviveu a ambos. Em
Roma, foi aparentemente salvo pela intervenção de um colega dos serviços
secretos israelenses. Na Argentina, as coisas foram mais complicadas. Há
provas que sugerem o envolvimento dos americanos.
Kruz, naturalmente, tinha perguntas. Em circunstâncias normais
teria segurado a língua e esperado que o velho terminasse. Agora, trinta
minutos depois de ter sido retirado da cama, não mostrou nenhuma da sua
normal paciência.
— O que estava o israelense a fazer na Argentina?
O rosto do velho pareceu gelar, e a sua mão ficou imóvel. Kruz tinha
transposto a linha, a linha que separava o que ele sabia do passado do velho
daquilo que jamais saberia. Sentiu o peito encolher debaixo da pressão do
olhar fixo. Não era todos os dias que se conseguia enfurecer um homem
capaz de orquestrar, em setenta e duas horas e em continentes diferentes,

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