Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1
—   Isto    passa-lhe   —   disse.  —   Ela é   uma profissional.

HOUVE MOMENTOS na vida de Gabriel, fragmentos de tempo, que
ele pintou em tela e pendurou na cave do seu subconsciente. A esta galeria
da memória adicionou Chiara como a via agora, sentada com as pernas
afastadas em cima do seu corpo, banhada por uma luz de Rembrandt vinda
dos postes de rua, com um edredom de cetim à volta das suas ancas e os
seus seios nus. Outras imagens apoderaram-se dele. Shamron abrira-lhes a
porta, e Gabriel, como de costume, era impotente para as empurrar de
volta. Havia Wadal Adel Zwaiter, um intelectual magricela de casaco de
xadrez, que Gabriel assassinara na entrada de um apartamento em Roma.
Havia Ali Abdel Hamidi, que morrera pelas mãos de Gabriel numa ruela de
Zurique, e Mahmoud al-Hourani, irmão mais velho de Tariq al-Hourani, a
quem Gabriel dera um tiro num olho em Colônia enquanto estava nos
braços de uma amante. Uma madeixa de cabelo caiu sobre os seios de
Chiara. Gabriel afastou-a gentilmente. Ela olhou para ele. Era escuro de
mais para se perceber a cor dos seus olhos, mas Gabriel conseguia sentir os
seus pensamentos. Shamron treinara-o para sentir as emoções dos outros,
assim como Umberto Conti o ensinara a imitar os velhos mestres. Gabriel,
mesmo nos braços de uma amante, não conseguia evitar a sua busca
incessante de sinais que o avisassem de traição.
— Não quero que vás a Viena — disse, colocando as mãos no peito
de Gabriel.
Gabriel sentiu o coração bater contra a palma fria da sua mão.
— Não é seguro para ti. Mais que qualquer um, Shamron devia
saber isso.
— Shamron tem razão. Foi há muito tempo.
— Sim foi, mas se voltares e começares a fazer perguntas sobre o
atentado, vais entrar em atrito com a policia austríaca e com os serviços de
segurança. Shamron está a usar-te para continuar em jogo. Não está a
pensar no que é melhor para ti.
— Falas como um dos homens do Lev.
— É com você que me preocupo.
Inclinou-se e beijou-o na boca. Os seus lábios cheiravam a flores.
— Não quero que vá a Viena e se perca no passado.

Após um momento de hesitação, acrescentou:
— Tenho medo de te perder.
— Para quem?

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