Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

ela merece.
— Ela compreenderá?
Gabriel encolheu os ombros. Leah sofria de depressão psicótica. Os
médicos acreditavam que a noite da bomba se repetia ininterruptamente
na sua cabeça como uma fita em loop. Não deixou espaço para impressões
ou sons do mundo real. Gabriel muitas vezes pensava o que teria Leah visto
dele nessa noite. Tê-lo-ia visto a caminhar em direção ao pináculo da
catedral, ou tê-lo-ia sentido a puxar o seu corpo escurecido do fogo?
Apenas tinha certeza de uma coisa. Leah não falava com ele. Há treze anos
que não lhe dirigia a palavra.
— É por mim — disse ele. — Tenho de dizer o que sinto. Tenho de
lhe dizer a verdade sobre ti. Não tenho nada que me envergonhar, e
obviamente que não tenho vergonha de ti.
Chiara baixou o edredom e beijou-o fervorosamente. Gabriel
conseguia sentir a tensão do corpo dela e a excitação da sua respiração.
Mais tarde estava deitado a seu lado, afagando-lhe o cabelo. Não conseguia
dormir, não numa noite antes de uma viagem de volta a Viena. Mas havia
algo mais. Sentia-se como se tivesse cometido uma traição sexual. Era como
se tivesse estado dentro de uma mulher de outro homem. Foi então que
percebeu que, na sua cabeça, ele já era Gideon Argov. Chiara, de momento,
era uma estranha.


4


VIENA


— PASSAPORTE, POR FAVOR.


Gabriel passou-o pela bancada, com o emblema para baixo. O
agente olhou com estranheza para a capa gasta e dedilhou as páginas até
encontrar o visto. Acrescentou mais um carimbo — com mais violência do
que seria necessário, pensou Gabriel — e entregou-o de volta sem dizer
uma palavra. Gabriel guardou o passaporte no bolso do casaco e dirigiu-se
até o reluzente hall das chegadas, puxando a reboque uma mala de
rodinhas.
Lá fora, tomou o lugar na fila para os táxis. Estava um frio
desagradável, e o vento trazia neve. Fragmentos de alemão com sotaque

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