Morte em Viena

(Carla ScalaEjcveS) #1

lugar agradável. Tocamos enquanto os mortos-vivos se arquivam nas
câmaras de despir. Tocamos no pátio durante as intermináveis chamadas.
De manhã, tocamos enquanto os escravos alinham para o trabalho, e de
tarde, enquanto cambaleiam de volta às casernas com a morte nos olhos,
estamos a tocar. Tocamos antes das execuções. Aos domingos tocamos para
o Kommandant e o seu pessoal. O suicídio mingua continuamente o nosso
grupo. Em breve sou eu que trabalho a multidão na rampa, em busca de
músicos para preencher as cadeiras vazias.
Um domingo de tarde. E algures durante o Verão de 1942, mas peço
desculpa Sr. Argov, não me recordo da data exata. Klein está a regressar à
sua caserna depois do concerto de domingo. Um oficial das SS aparece por
trás e empurra-o para o chão. Klein levanta-se e fica em sentido, evitando
olhar o SS nos olhos. Mesmo assim, vê o suficiente do rosto para perceber
que já encontrou aquele homem antes. Foi em Viena, no Departamento
Central de Emigração Judaica, mas nesse dia ele vestia um fino terno cinza e
estava ao lado de nada menos que Adolf Eichmann.
— O Sturmbannführer disse-me que gostaria de fazer uma
experiência — disse Klein. — Ordenou-me que tocasse a Sonata Nº 1 de
Brahms para Violino e Piano em Sol Maior. Retiro o violino da caixa e
começo a tocar. Um colega passa. O Sturmbannführer pergunta-lhe o nome
da peça que estou a tocar. O colega diz que não sabe. O Sturmbannfuhrer
saca da pistola e dá-lhe um tiro na cabeça. Encontra outro colega e coloca a
mesma questão. Que peça está este belo violinista a tocar? E assim
prossegue durante a próxima hora. Os que conseguem responder
corretamente são poupados. Os que não conseguem, ele dá-lhes um tiro na
cabeça. Quando acabou, quinze corpos estão estendidos a meus pés.
Quando a sua sede de sangue judeu está satisfeita, o homem de negro sorri
e afasta-se. Eu deitei-me com os mortos e disse-lhes as palavras de luto
Kadish.


KLEIN FEZ UM LONGO SILÊNCIO. O som sibilante de um carro
ouviu-se vindo da rua. Klein levantou a cabeça e recomeçou a falar. Ainda
não estava totalmente pronto para estabelecer a ligação entre a atrocidade
de Auschwitz e o atentado ao Escritório de Investigação e Reclamações,
embora agora Gabriel tivesse uma clara ideia de onde a história o iria levar.
Continuou, cronologicamente, uma porcelana de cada vez, como Lavon
teria dito. Sobrevivência em Auschwitz. Libertação. O seu regresso a Viena...
A comunidade contava 185 000 antes da guerra, disse. Sessenta e cinco mil
morreram no Holocausto. Mil e setecentas almas despedaçadas vieram aos

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