Folha de São Paulo - 24.10.2019

(C. Jardin) #1

aeee


UMJORNALASERVIÇO DO BRASIL


a


Publicado desde 1921–Propriedade da EmpresaFolha da Manhã S.A.

PresidenteLuizFrias
diretorderedaçãoSérgio Dávila
suPerintendentesAntonio ManuelTeixeiraMendeseJudith Brito
Conselho editorialRogério CezardeCerqueiraLeite,
Marcelo Coelho,Ana Estela de SousaPinto, Cláudia Collucci,
Hélio Schwartsman, Heloísa Helvécia, MônicaBergamo,
Patrícia Campos Mello,Suzana Singer,Vinicius Mota,
AntonioManuelTeixeiraMendes, LuizFriaseSérgio Dávila(secretário)
diretoria-exeCutivaMarcelo Benez(comercial),Marcelo Machado
Gonçalves(financeiro)eEduardo Alcaro(planejamentoenovos negócios)

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editoriais


Página virada


Ocrime nãocompensou


Pode-se apontar queoimpacto da
reforma daPrevidência ficaráabai-
xodo proposto inicialmente;que
sua tramitação demoroualémdo
esperado; querestaramlacunas
como as pensõesmilitares.
Nada dissodeveofuscar,noen-
tanto, osignificado históricoda
aprovação definitivadotextopelo
Congresso nestaquarta-feira( 23 ).
Trata-se de medida sem dúvida
amargaemvários aspectos, mas
infelizmentenecessária—ejusta,
no essencial, aoreduzirdisparida-
des de direitos entretrabalhado-
resdos setores públicoeprivado.
Amudançaéamais ambiciosa
já promovida no arranjo estabe-
lecido pela Constituiçãode 1988 ,
esua aprovação,emboratardia,
se deusem maiorcomoção políti-
ca esocial—possivelmentediante
daevidência de que os desequilí-
brios dascontas públicas têmsu-
focadoocrescimentoeconômico
do país nos últimos anos.
Nototal, areformapropiciará
umaeconomia estimada de R$ 800
bilhõesemdez anoseummúlti-
plo dissoemprazosmais longos.
Aaprovaçãofoicercada de per-
calçoseaeconomiafoi diluída em
30 %emrelaçãoàproposta original.
Forameliminados itensmaispolê-
micos,comorestriçõesaauxílios
parapopulaçãodemenorrenda,
oquereduziuoespaçoparacríti-
casquantoàequidade dareforma.
Asnovasregraspermitirão es-
tabilizaradespesa do Instituto

Nacional do SeguroSocial (INSS)
emtorno de 8 %doProdutoInter-
no Bruto. Emboraainda altopara
padrões internacionais quando
se considera oestágio demográfi-
coatual do país,ogastoaomenos
nãoexplodirános próximosanos.
Seráaberto,assim,um precioso
espaçonoOrçamentoparainves-
timentosemáreas fundamentais.
Além daeconomia,oresulta-
do devesercomemoradoespeci-
almentepor duasinovações. Ins-
titui-se definitivamente, apósum
período de transição,oconceitode
idademínimaparaaposentadoria,
de 65 anos parahomens e 62 pa-
ra mulheres,etempomínimo de
contribuiçãode 15 anos.
Outramelhoriaéaredução dos
privilégiosconferidosaofunciona-
lismo.Aidademínimafoiigualada
àdosetor privado, com 25 anos de
contribuição.Tambémestáprevis-
ta uma escalacrescentedealíquo-
tasdecontribuição paraosmaiores
salários,reduzindoossubsídios.
Há pontos aindafaltantes, po-
rém. Em particular,éfundamental
incluir estadosemunicípios, ain-
da maisexauridoscomdespesas
defolhaeaposentadorias.APEC
paralelaque tramita no Senadofa-
cilitaoprocesso,aoprevermaio-
ria simples nos legislativos locais,
comeconomia próximaaR$ 300
bilhõesnomesmo período.
Desde já,contudo,opaíspode
virarapágina dessedebate para
mirarocrescimentoeconômico.

Mesmo em um país marcadopor
escândalos decorrupçãoemsérie,
causou perplexidade,emsetembro
de 2017 ,afotografiada saladeum
apartamentoemSalvador onde se
acumulavammalasecaixas abar-
rotadasde dinheiroemespécie.
Produzida pela PolíciaFederal,a
imagem, quemais parecia extraída
de um filmepolicial de baixoorça-
mento, deixou emsituação pericli-
tanteGeddel VieiraLima.
Opolíticodoentão PMDB(hoje
MDB)mantinhaestreitarelação
comoex-presidenteMichelTe-
mer,membro domesmo partido,
de quem havia sido ministro-chefe
daSecretaria deGoverno em 2016.
Com longacarreirapolítica,Ged-
del ocupou posiçõesvantajosasnos
governos dos petistas Luiz Inácio
Lulada Silva(ministro da Integra-
çãoNacional, no segundo manda-
to)eDilmaRousseff(vice-presi-
dentedePessoaJurídicadaCaixa
EconômicaFederal).
Sua trajetória se destacapor acu-
sações de envolvimento emativi-
dades nebulosas.
Em 1993 ,por exemplo,foi apon-
tadocomo beneficiário de propi-
nas de empreiteirasnofamigera-
do esquema de desviosconheci-
docomo dos Anões do Orçamen-
to,sobocomandodoentão depu-
tado baianoJoão Alves—que ficou

famoso por alegar terganho mais
de 200 vezesnaloteria.
Geddeldeixouoministério deTe-
mer em 2016 ,depoisdeser acusa-
do pelo entãoministrodaCultura
Marcelo Calero deexercerpressões
paraliberar aconstruçãodeuma
torreemSalvadorque desrespei-
tava regras do Iphan,oórgãofede-
ralresponsávelpelagestão do pa-
trimônio históriconacional.
Omovimentado percursodoex-
ministrofoienfiminterrompido
comadescobertadobunker em
Salvador onde armazenavaR$ 51
milhões em dinheiro vivo.
Naterça-feira( 22 ),aSegunda
Turma do SupremoTribunalFede-
ralcondenouGeddeleseu irmão,
oex-deputado Lúcio VieiraLima,
tambémdoMDB daBahia,pelos
crimes de lavagemdedinheiroe
associação criminosa.
Para oprimeiro, fixou-seapena
de 14 anos e 10 meses de prisão,
além de multa decercadeR$ 1 , 6
milhão.JáLúciofoi sentenciado
a 10 anose 6 mesesdereclusãoe
multadecerca de R$ 900 mil.Im-
pôs-setambém umareparação de
R$ 52 milhões aambos.
Aindacaberecurso por partedos
condenados, decerto, mas esse é
um daquelescasos queconfirmam
oclichêdeque uma imagemfala
mais do que mil palavras.

Desfecho dareforma da Previdência abrecaminho


paraque opaís mireocrescimento econômico


SÃOPAULOCom indisfarçávelironia,
Bolsonarofoi ontem àsredessoci-
aiseparabenizou estaFolhapela
publicaçãodereportagemsobrea
importância do macarrão instantâ-
neonas viagens do presidente. “Essa
matéria nãoéfakenews”,escreveu.
Maistarde, divulgou umafotogra-
fia na qual apareceempé, comum
sorrisoforçado norosto, uma panela
abertanamão direitaeuma emba-
lagem de Nissin Lámen na outra (ele
mesmo jamais diria “na esquerda”).
Asequênciapodefacilmentepas-
sarcomo apenas maisumaatuação
pitorescaeinofensiva deBolsonaro,
mas, bem observada,revela alguns
truques perigosos do presidente.
Desaída,oataqueveladoàim-
prensa. Ao afirmar queareporta-
gememquestão nãoéfakenews, o
capitãoreformadodeixaimplícita
uma outramensagem,asaber,que
outrostantosconteúdos produzidos
por estejornal seriammentirosos.
Bolsonaro nuncaprocurou disfar-
çarsua ofensivacontraamídia. Co-
motodo populistadeperfil autoritá-
rio,ele chegaaopontodeagir aber-

tamentecontra os veículos que pos-
samfazerumacoberturaindepen-
denteecrítica de seugoverno.
Sedestavezeledisfarçouainves-
tida,foiporque viuaoportunidade
de fustigarojornal ao mesmotem-
po em queexibia seu jeitão humil-
de. Muitos leitoresterãosimpatia
pelohomemque nãogostadepeixe
cru e, mesmovestindoafaixa pre-
sidencial, prefereumsimplesmio-
jo abanquetessuntuosos.
Por trás dessaimagemtambém
háumamensagemimplícita,asa-
ber,queBolsonaro representaano-
va política,avessaasalamalequese
despida das máscaras da hipocrisia.
Oirônico équeafotosintetizatu-
do que há de nova política no presi-
dente.Longedas câmeras, ele distri-
buiverbasecargosparaseduzir alia-
dos, nomeia filhos paraposições de
destaque, disputa poder dentrodo
partido,acobertalaranjas, esbanja o
cartãocorporativoe,claro, se apro-
xima decaciques do MDB.
Bolsonaroaté tenta, masaverda-
deéque suanovapolíticanãodura
mais que três minutos.

BRASÍLIAMinistros doSTFcostu-
mam lamentar queotribunaltenha
se afastado aospoucosdeseu papel
deguardião da Constituiçãoparase
tornar umacortecriminal. Ao ana-
lisar pelaterceiravezem dez anos
os critériosdaexecução de penas de
prisão,otribunalsearriscaaacumu-
la rtambémafunção decarcereiro.
Asnuances do julgamento, queco-
meçounasemana passadaeprosse-
guenestaquinta-feira( 24 ), lança-
ramaoSupremoamissão de definir
quem deveficaratrásdas grades e
quemtemodireitodeficarnarua.
Emcertos momentos,odebate so-
breasleis ficou em segundo plano.
“Quandovocê prende alguém, não
épor prazer.Éporquevocê estápro-
tegendo pessoaseinstituições”,dis-
se LuísRoberto Barroso,que defen-
deaprisão apóscondenaçãoemse-
gunda instância. “É mais bacana de-
fenderaliberdade que mandar pren-
der,mas eutenho queevitaropróxi-
mo estupro, opróximo homicídio.”
Asdivisõesinternaseasartima-
nhas adotadas pelosministros pro-
duziramacontaminaçãodastarefas

do tribunal.Amanipulaçãoda pau-
ta doSTFparaadiarojulgamento
da questão,avinculação irremedi-
ável dessas açõescomocaso Lula e
adesinformação levada paraden-
trodoplenáriorebaixaramacorte.
Esseéumdos efeitosdo“populis-
mo judicial” citado novoto de Ale-
xandredeMoraes.“Prestarcontas
àsociedadeéobrigação doSTFede
todooJudiciário.Mas isso não sefaz
covardemente”,afirmouoministro.
Prenderquem deve estar preso e
soltar quem deve estar solto,além de
não sertarefa simples,tornaoSTF
depositário de injustiças. Seja qual
fororesultadoagora,oSupremo
nãoconseguiráescapar darespon-
sabilidade final nas punições aplica-
dasacriminosos no país.
Se otribunal decidir que umacon-
denação em segundo grauésuficien-
te paralevaralguém paraacadeia,
precisarárevisar emtempo justo
ascontestaçõesaessas sentenças.
Caso definaqueaprisãovale ape-
nas apósoesgotamento detodos os
recursos,terá amissão deconcluir
os casoscomamesmaceleridade.

RIODEJANEIROImplosãoé“estouro
paradentro”;“série deexplosões
que secombinam detalmodoque
seusefeitostendemaconcentrar-se
em um pontocentral”.Provávelque
oDelegadoWaldirtenha escolhido
ao acasoapalavraque melhor des-
creveoque acontece ao partido do
presidenteeque podeatingirem
cheioogoverno quando ameaçou
“implodir”JairBolsonaro.
Em poucosdias, tivemosaame-
açadodeputado que xingaopre-
sidentede“vagabundo”ediz que
mostrará“agravaçãodele”.Depois,
oparlamentar que dedurouode-
legado partir paracima decolegas
quequeremcassá-lo:“Tenho muita
coisa para foderoParlamentointei-
ro.Vamos alinharouvamosguerre-
ar?”,disse Daniel Silveira, aquele que
quebrouaplacacomonome dave-
readoraMarielleejogou no chão o
celulardo jornalistaGugaNoblat.
Por fim,adeputadaJoiceHassel-
mann, vítima do que ela mesma cha-
mou de “milíciasdigitais”,apontou
odedoparaosfilhos do presidente,

acusando-osdeestarem por trás de
um esquemadedisseminação defa-
kenews,deperseguiçãoedeassas-
sinato dereputações.
Ao longodestes dez meses, ficou
claroque os alicercesque escoram
ogovernoBolsonaronão são firmes
parafazer as articulações políticas
necessárias, videareforma daPrevi-
dência. Mas as pequenas implosões
que passam porBebiannoeSantos
Cruzequese intensificaram na se-
mana passada mostram que não se
trataapenas de despreparodessa
turma. Interesses individuais,vaida-
des, destemperopodem em algum
momentodetonar uma bombafatal.
Paracomeçar, DelegadoWaldir
deveria mostraragravaçãoque diz
ter, Joycedizer “o quefizeramno
verãopassado”eSilveiracontar o
quetempara“foder” oParlamen-
to.Aperguntaque sefazàbocape-
quena, “seráqueBolsonarochega
ao fim do mandato?”,começaace-
der lugaraoutroquestionamento.
Qual dos aliadosvaiimplodirogo-
verno?Equando?

Bolsonaronum instante


OSupremocomocarcereiro


Implosão



  • UiráMachado


  • BrunoBoghossian




  • Mariliz PereiraJorge




Em outubrode 2018 , 57 , 7 mi-
lhões de brasileiros elegeram
um presidentequeconcorria
porumpartido de aluguel, até
entãocomapenas umacadei-
ra na Câmara.
Forameleitostambémcer-
ca de 30 deputados que, apoi-
ados por movimentos dereno-
vaçãopolíticadedistintas ori-
entações, haviam sido lança-
dos por um leque de partidos
dedireita,centroouesquer-
da. Muitosdaqueles,aexem-
plo docandidato vitorioso ao
Planalto, tinhamtênue identi-
ficaçãocomaslegendas que os
abrigaram; antes, viam-seco-
mo inovadores daforma defa-
zerpolítica.
Seuêxitotestemunhaoque
certos estudiosos chamam de
crise derepresentação: elacon-
siste,de umlado,noescasso
vínculodos eleitorescomas
siglasexistentes; de outro, na
incapacidade do sistema par-
tidáriodetraduzireagregar as
preferências dosvotantes em
torno de propostas discerní-
veis de políticas alternativas.
AssimcomoBolsonarose
elegeu sem máquinapartidá-
ria nemtempo de propaganda
norádioenaTV, oscandida-
tosautodenominadosrenova-
dores se beneficiarammaisde
suasredes de apoiodoque das
estruturas partidárias.
Ocorreque agremiações po-
líticas nãodesempenham só
funções derepresentaçãode
aspirações, ideiaseinteresses
de parcelas do eleitorado,além
decontrolaraofertadecandi-
datos. Elas organizamtambém
oprocesso detomada de deci-
sõesnoLegislativo, bemcomo
oapoio ouaoposição aogover-
no.Nesse âmbito, seu poder é
incontrastável.
Todaaatividadenas duas Ca-
sas do Congresso se estrutura
de acordocomopeso deca-
da partido; osregimentosin-
ternosconsagram seu prima-
do nacomposiçãodasmesas
diretorasenocolégio de líde-
res, nascomissõestécnicas,
nasfunções de liderançado
governoedaoposição.Esse é
tambémocritério paraadis-
tribuição dosrecursosdoFun-
doPartidário,doFundo Elei-
toraleainda dotempo de pro-
pagandanamídia eletrônica.
Opoder daschamadas“ban-
cadastemáticas”(daBíblia e
da bala, porexemplo)éepi-
sódico, setanto. Adisciplina
partidária nasvotaçõesten-
deaser aregra.Ésabidotam-
bém que presidentes semoar-
rimo de umacoalizão estável
de legendastêmmenos chan-
cesdever aprovadas suas pro-
postas.Aconstrução de bases
de apoiocasoacaso custaca-
ro enãoasubstitui.
Ospartidosbrasileirospo-
demterperdidoacapacida-
de de orientar as escolhas dos
eleitores —até quando,nãose
sabe—,mas continuam indis-
pensáveis paraoexercíciodo
poder.Odescasamentoentre
esses dois papéisexplicapelo
menosem parteabrigadefoi-
ce entreBolsonaro eoPSL.Já o
seubaixíssimo nívelvaipor con-
ta dospersonagens envolvidos.
[email protected]

Opoder


dos partidos



  • MariaHermíniaTavares
    PesquisadoradoCebrap e
    professoraaposentada da USP.
    Escreve às quintas


Benett

Condenação de Geddel peloSTFémarco em longa


trajetória de acusações por atividades nebulosas


opinião


A2 QUinTa-FEira,24DEOUTUbrODE 2019
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