Folha de São Paulo - 24.10.2019

(C. Jardin) #1

aeee


cotidiano


B4 Quinta-Feira,24DeOutubrODe2 019



  • FrancescaAngiolillo


SãoPauloHáquase oitoanos,
5. 000 habitantes docentrode
SãoPaulotêmsua vista obscu-
recida por uma névoa.
Eradezembrode 2011 quan-
dooConpresp,conselho mu-
nicipaldepreservaçãodopa-
trimônio,autorizouainstala-
çãodetelaebandeja de pro-
teçãonafachadaprincipal do
edifício Copan,evitando aci-
dentespelo descolamentode
pastilhas dorevestimento.
Aanuência eranecessária
porqueoedifício projetado
por Oscar Niemeyertinha,
desde 1992 ,seu processode
tombamentoemanálise —a
medidafoiefetivada em 2012.
Delá para cá,ademorano
restaurosomou-se às estatís-
ticascolossaisdo prédio,uma
estruturasinuosa queimpera
sobreaav. Ipiranga,com 1. 160
apartamentosdispostosem 32
andares e 80 lojas notérreo.
Espera-se,contudo, queaté
ofimdomês aquestão clareie.
Équandovenceoprazo,
estabelecidoemreunião do
Conpresp paraqueocondo-
mínio apresenteaempresa
responsável peloprojetoepe-
la execução dorestauro.
Com dimensões sem par
entreos prédios da cidade
na época—e, por muitotem-
po em,todoopaís,comseus
115 mil m²de área—,oCo-
pan já nasceucomplicado.
Oprojetoiniciadonocome-
ço anos 1950 esteve em obras
até 1972 ,quando finalizaram-


se os acabamentos,compar-
te dos apartamentos jáhabi-
tada desde 1962 ,comoconta
Carlos Lemos,colaborador de
Niemeyer, no livro“AHistória
do Edifício Copan”.
Duranteaobra,oprojeto
mudou de incorporadoreso-
freu modificações.Acomple-
xidade degerirumedifício
onde vivemaisgentedoque
em 1. 253 municípios brasilei-
rospodeexplicar,emparte,o
passo lentodorestauro, arris-
ca EduardoFerroni.
“A spessoas estão acostuma-
dasaolharoCopan um pou-
cocomo um objeto;vê-se o
todo,nãoéuma somatóriade
gavetinhas”.Por isso,diz, não
percebem queoprédioé“um
organismosocial”e“como é
complexo oencaminhamento
de uma questãocomo essa”.
MoradordoCopanhá 18
anos,Ferronitemaresponsa-
bilidadede encerraroimpas-
se sobreorestaurodoedifício.
Ao lado dePablo Hereñú,
também habitantedoCopan
eseu sócio no escritório H+F,
elesecomprometeuaesco-
lheramelhor entretrêsfir-
mas especializadas emres-
taurodebenstombados, le-
vando emcontaoorçamen-
to eocurrículo decada uma.
Aapresentação de um proje-
to derestaurocompleto, com
desenhos, diagnósticotécnico
dos problemaseummemo-
rial dos procedimentosase-
remrealizados, assinado por
profissionalcompetente,foi
uma das diretrizes fixadas pe-

lo Conpresp em 2011 ,aoauto-
rizar queoedifíciofosse em-
balado. Aadministração do
Copanfezestudos, mas não
detalhouassoluções.
Muitotempo segastou na
discussão sobreotipodepas-
tilhasausar.Asoriginais,ce-
râmicas, não são maisfabri-
cadas nas mesmas especifica-
ções.Aspropostas pelocon-
domínio,devidro, tinham as-
pectodiferenteeficariam visí-
veis seaplicadas em lacunas.
Asempenas—laterais que
unem as duasfachadas curvilí-
neas— estão desde 2018 sem o
revestimento. Noseu lugar,fo-
ramrefeitas duascamadas de
massa, sobreaqual as novas
peçasdeverão ser aplicadas.
Em 2011 ,oConpresp deter-

minou que as pastilhas desco-
ladasfossem, apósaretirada,
armazenadas parapossívelre-
aproveitamentonaobra.
Indagadosobreseascon-
servou,osíndicodoCopan,
Affonso CelsoPrazeresdeOli-
veiradiz que “lógicoque não”.
Morador do prédio há 56
anoseseuadministrador há
26 ,Oliveiradiz que maisde
20 %das peçasjáhaviamcaí-
doeteria sido inútiloesfor-
ço.“Eraimpossível”atender
àdeterminação,afirma.
“Vocênãotemoparecer do
FalcãoBauer,que me manda
retirartudo”,continua.Aem-
presaFalcãoBauer,especiali-
zada em laudos de engenha-
ria,foi uma das que fizeram os
estudos da situação do prédio.
“Tudo” sãocercade 46 mil
metros quadrados de super-
fície pastilhada.Aestimati-
va,aser atualizada, eraque a
obracustariaR$ 23 milhões.
Passeando peloedifício,Oli-
veira, 80 ,mostraoquetem
feitopelo prédio na sualonga
gestão.Defato, ointerior do
Copanélimpoeconservado.
Cincooficinas de marcenaria
eserralheria, localizadas no
subsolo, fazemreparos.
Nãobasta, porém,adedi-
caçãocotidiana que qualquer
prédio exige.“Todos os prédi-
os,tombados ou não,preci-
samdemanutenção.Quando
se fala de prédios quetêmuma
significação especial na cida-
de, esse cuidadoécomparti-
lhadocomopoder público”,
resume Raquel Schenkman.

AarquitetaédiretoradoDe-
partamentodoPatrimônio
Histórico(DPH),corpotécni-
codaprefeituraquesubsidia
otrabalho do Conpresp.Ela
diz que, ao longodos anos, ne-
nhuma dasanálises trazidas
pelo Copan justificavaareti-
radatotaldas pastilhas,oque
feriria um dos princípios bá-
sicos de qualquerrestauro,o
da mínima intervenção.
Em sua opinião,talvezte-
nhaexistido incompreensão
da gravidade do problema.Pa-
ra ela,faltavaqueoConpresp
desse um“não” aoCopan.
Em 16 desetembro,o“não”
veio.Naocasião,oórgãorecu-
souoúltimo estudo apresen-
tado peloedifício, encomen-
dadoàarquitetaValériaBom-
fim. MestrepelaFaculdade de
ArquiteturaeUrbanismo da
USPcomuma dissertação so-
breaconservaçãodas facha-
das doCopan, ela apresentou
um parecer em junho.
Esteera limitadoàfachada
norte, contrariandoopedido
original do órgão, oqueresul-
tounanegativa—e, além dis-
so,numaameaça de multaao
condomínio, se duas semanas
depois, nareunião seguinte,
nãofosse dadauma posição
mais satisfatória.
NemBomfim,nem Olivei-
ra estavam lá no dia 16 .Mo-
radores do Copan presentes,
comoregistra aata,sequei-
xaram de quetambém para
elesasituaçãoera nebulosa
esecomprometeramacon-
versarcomosíndico. Umare-

Travadadesde2011,reformadoCopan


deverá serretomada em novembro


impasse atual dizrespeitoàspastilhas querevestemoprédio tombado,que não são maisfabricadas


uniãoextraordinária docon-
selho levouàcontrataçãodo
H+F paraorganizaralicitação.
Aempresa quevencer acon-
corrência do Copantemum
longotrabalho pela frente, e
ele não se limitaàspastilhas.
Espera-se queafirmaatu-
alizeecompleteodiagnósti-
co dos problemas doedifício;
monteumplanode ação,fi-
xando as prioridades da obra;
detalheoque deve serfeitona
fachada norte—ados quebra-
sóis—enas laterais doedifí-
cio; e, por fim, estabeleça um
planotambém paraosdemais
elementosarestaurar.
Destes,oaspectomaisevi-
denteéafachada sul (a parte
posterior da onda do Copan,
voltada paraomiolo da qua-
dra).Embora menosvisível —
corresponde às áreas de ser-
viçodas unidades—,ela está
na miradoConpresp.
Muitosmoradores quiseram
aproveitaroespaçoparaou-
tras finalidadeseasmodifica-
ções serefletemnafachada,
comtrocasdecaixilhoereti-
radas de elementos originais.
SegundoRaquel Schenk-
man, emgeralostombamen-
tosnão estabelecemregras pa-
rainteriordeapartamento.
Oque não significaque “ca-
da um pode trocar sua jane-
la do jeitoque bem entender”.
Paraaarquiteta, morado-
resque fizeram obras que in-
terferiram nafachadaapós o
tombamento, sem anuência,
agiramcontrariamente àlei.
“A genteorientaque quem
não mudouatéagoranão mu-
de.”Mas, frisa, “cabe aocondo-
mínio imporamudançaaos
condôminos;nãoéoórgão do
patrimônioquevai obrigar”.
Schenkman esperaque, des-
tavez, as partes cheguem a
acordo.Oquetodo domun-
do quer,diz, équeoCopan “fi-
que num bom estado decon-
servaçãoepossaexercer esse
sentido simbólicoereferenci-
al quetemnapaisagem”.

AtelaquerevesteoedifícioCopan, nocentrode São Paulo,puindo FotosEduardoKnapp/Folhapress



Aspessoasestão
acostumadasaolhar
oCopancomo um
objeto;vê-se otodo,
não uma somatória
degavetinhas.[Mas]
éumorganismo
social,écomplexo
oencaminhamento
de umaquestão
como essa

EduardoFerroni
arquitetoemorador do Copan
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