Público - 15.10.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 15 de Outubro de 2019 • 19

Pinhal de Leiria: entre elas, a imple-
mentação de um modelo de silvicul-
tura preventiva, a alocação de meios
ao ICNF para garantir a adequada
gestão Çorestal e a existência de
modelos de sensibilização pública.
O engenheiro agrónomo e recém-
eleito deputado do Bloco de Esquerda
Ricardo Vicente também fazia parte
do Observatório do Pinhal do Rei,
mas demitiu-se em Junho. Queixa-se
da mesma falta de resposta e do imen-
so trabalho que falta fazer na mata e
que ainda não avançou.
“Boa parte da madeira ardida já
saiu, a parte com interesse económi-
co, mas existem outras madeiras por
cortar. Aquilo que se continua a notar
é uma grande falta de capacidade
humana de intervenção”, diz. O espe-
cialista descreve pragas que estão a
atacar os pinheiros que sobreviveram
e a necessidade de se intervir na faixa
litoral da mata, “a primeira barreira
contra o vento e a erosão eólica dos
sistemas dunares que ali estão” e a
parte de mais difícil recuperação.
Desde os incêndios, o ICNF contra-
tou novos elementos para integrarem
o Corpo Nacional de Agentes Flores-
tais, tendo aberto 160 lugares por


concurso. Também a estrutura do
organismo que gere a Çoresta pública
sofreu alterações em Maio, tendo sido
criado um departamento especíÆco
para Gestão de Áreas Públicas Flores-
tais localizado na Marinha Grande. Ao
PÚBLICO, o ICNF sublinha por escri-
to que esta alteração “reforçou a com-
ponente técnica e operacional dedi-
cada à gestão das matas públicas”.
Para quem está no terreno, o prin-
cipal ainda não foi feito. “Até hoje,
ainda não se conhece um plano de
reÇorestação para a Mata Nacional de
Leiria”, nota Ricardo Vicente. “As
coisas vão avançando, dizem que há
um plano para aplicar até 2022, mas
não se deÆne para fazer o quê. Quase
metade da verba é para fazer recupe-
ração de estradas e acessos, e depois
fala-se em reÇorestar cerca de dois
mil hectares, mas com o quê?”
Miguel Galante, engenheiro Çores-
tal, que também integrou o observa-
tório, acha que nestes dois anos fez-se
muito em termos de “decisões políti-
cas”, com “a criação da agência para
a prevenção de incêndios Çorestais”,
por exemplo. Mas falta uma “mudan-
ça de paradigma no terreno”. “Sei
que os planos regionais de ordena-

tar também a coordenadora do obser-
vatório, a presidente da câmara da
Marinha Grande, Cidália Ferreira.
Até agora, foram levadas a cabo
acções de rearborização por planta-
ção em 1093 hectares. O ICNF prevê
iniciar agora a plantação de mais 1482
hectares e, na restante área afectada,
vai implementar um programa de
monitorização da regeneração natu-
ral de pinheiro bravo. Argumenta que
“é necessário um período de três a
quatro ciclos para que seja possível
identiÆcar os locais onde será neces-
sário reforçar a regeneração natural
com plantação”.

Tentativa e erro
A regeneração natural é um processo
que começa no dia a seguir ao incên-
dio. No espaço aberto pelo fogo come-
çam logo a rebentar outras plantas.
Numa clareira aberta pelo Leslie há
um ano, Sónia Guerra não resiste e
começa a arrancar à mão os eucalip-
tos que ali rebentaram. Têm cerca de
cinquenta centímetros e ainda saem
da terra com um simples puxão. É
uma tarefa inglória. Numa área de
poucos metros junto à estrada, arran-
ca uma dezena de plantas, mas os

eucaliptos estão a tomar o lugar dos
pinheiros em muito mais zonas como
podemos ver numa volta de carro
pela área ardida. Não são novidade
no pinhal, mas esta árvore espalha-se
mais facilmente do que um pinheiro
e cresce de forma mais rápida.
Outras plantas foram crescendo
também. Algumas espécies são nati-
vas, como os sargaços, o tojo ou o
trovisco. Outras, como as acácias, são
invasoras. Neste passeio pela mata,
Sónia encontra pela primeira vez
ervas das pampas. São ambas “plan-
tas altamente combustíveis”, alerta.
Será preciso uma gestão atenta para
criar as condições certas para os
pinheiros voltarem a crescer.
Vai ser preciso muita “tentativa e
erro”, reforça Sónia Guerra. “Foi
assim que os técnicos que por aqui
passaram no passado Æzeram, é isso
que temos de fazer hoje. E é isso que
nós não vemos acontecer.”
Numa altura em que as alterações
climáticas estão no topo das preocu-
pações, questiona as prioridades:
“Mais do que falta de pessoal, é a fal-
ta de colocar na agenda política como
prioridade a reforma Çorestal. Essa
para mim é a grande questão. Há
duas coisas fundamentais que con-
tribuem para o aumento das altera-
ções climáticas: queima de combus-
tíveis fósseis e desÇorestação. Não é
com pequenas medidas de alteração
de transportes públicos ou redução
de carne [que se combatem as altera-
ções climáticas]. Não quer dizer que
não tenham o seu impacto, mas aqui-
lo que eu quero dizer é que há algo
muito mais profundo, muito mais
vasto e de muito maior implicação.
Era aqui que deviam estar todas as
atenções, todos os investimentos,
todas as melhores técnicas.”

Era aqui que deviam


estar todas as


atenções, todos os


investimentos, as


melhores técnicas


Sónia Guerra
Bióloga

[email protected]

SOCIEDADE


mento Çorestal já estão aprovados,
mas calculo que seja um processo
moroso passar essa visão para os pla-
nos directores municipais.”
Ricardo Vicente e Sónia Guerra
dizem faltar informação detalhada
sobre o que está planeado fazer — um
plano de reÇorestação, com metas
temporais, deÆnição de espécies a
plantar e delimitação de zonas. O
PÚBLICO tentou sem sucesso contac-
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