Público - 15.10.2019

(C. Jardin) #1

22 • Público • Terça-feira, 15 de Outubro de 2019


ECONOMIA


Qual é a relação entre vermes intes-
tinais e a melhoria do desempenho
do sistema de ensino num país como
o Quénia? A questão, para além de
estranha, pode parecer secundária
quando o que está em causa é um
panorama de pobreza extrema qua-
se generalizada, mas foi o ponto de
partida de um importante conjunto
de estudos económicos, que, com o
contributo decisivo de três econo-
mistas, conduziram ao longo das
últimas duas décadas a uma autênti-
ca revolução no ramo da ciência
económica dedicado ao desenvolvi-
mento e ao combate à pobreza.
Esta segunda-feira, esses três eco-
nomistas - Abhijit Banerjee, Esther
DuÇo e Michael Kremer – foram dis-
tinguidos com o prémio Nobel da
Economia.
No caso dos vermes intestinais, a
investigação foi de Michael Kremer.
Em 2004, o economista da Universi-
dade de Harvard analisou o impacto
das infecções por vermes intestinais,
um problema frequente no Quénia,
nos resultados escolares da popula-
ção. E procurou saber se combater
esse problema de saúde poderia ser
uma forma eÆcaz de melhorar o
desempenho escolar e assim reduzir
a pobreza.
Fê-lo, usando métodos experimen-
tais comuns a todas as ciências. Em
algumas escolas, procedeu-se a um
tratamento médico, noutras mante-
ve-se a situação inicial, e depois veri-
Æcou-se quais os resultados obtidos
nos dois tipos de escolas.
A conclusão: o absentismo redu-
ziu-se em um quarto nas escolas em
que o tratamento aos vermes foi rea-
lizado, um valor muito mais alto do
que o obtido por outras políticas de
combate ao absentismo que tinham
implicado custos muito mais eleva-
dos.
É assim, sem tentar resolver os
problemas todos de uma vez, mas


perguntando - de uma forma siste-
mática, caso a caso, com experiên-
cias realizadas no local - o que fun-
ciona e o que não funciona que esta
corrente da economia do desenvol-
vimento tem vindo a ganhar peso,
introduzindo alterações a uma ciên-
cia que conta com um historial de
sucesso muito modesto ao nível do
combate à pobreza.
É, explica Pedro Vicente, profes-
sor na Nova SBE, aquilo a que se
pode chamar a “nova economia do
desenvolvimento”, que, “põe o acen-
to na análise empírica, em vez de se
basear unicamente na teoria e na
matemática”.
Os norte-americanos Michael Kre-
mer, de Harvard, e Abhijit Banerjee,
Massachusetts Institute of Techno-
logy (MIT), e a francesa Esther DuÇo,
também do MIT, foram os escolhidos
pela Real Academia Sueca das Ciên-
cias para simbolizar o sucesso desta
nova abordagem na ciência econó-
mica, tendo recebido o prémio Ban-
co da Suécia de Ciências Económicas
em Memória de Alfred Nobel, mais
conhecido por Nobel da Economia.
Conseguiram, disseram os respon-
sáveis da Academia em comunicado,
“melhorar consideravelmente a nos-

sa capacidade para combater a
pobreza no globo”: “em apenas
duas décadas, o seu novo método
baseado em experiências transfor-
mou a economia do desenvolvimen-
to, que é agora um campo de inves-
tigação Çorescente”.
Os primeiros trabalhos deste tipo
foram publicados por Michael Kre-
mer, o mais velho dos três vencedo-
res do Nobel. O norte-americano
começou logo em meados dos anos
1990 a usar o método experimental
para testar opções de política de alí-
vio da pobreza, dedicando-se espe-
cialmente à área da saúde.
Mas foi com a criação do Poverty
Action Lab no MIT - um centro de
investigação dedicado especiÆca-
mente a testar políticas de combate
à pobreza em que, para além de
Michael Kremer, Abhijit Banerjee e
Esther DuÇo desempenharam um
papel fulcral - que esta nova aborda-
gem consolidou a sua importância
na ciência económica.
Banerjee e DuÇo, um casal, desta-
caram-se pelos diversos estudos que
Æzeram na Índia e que serviram, não
só para mostrar aquilo que funciona
nas políticas de combate à pobreza,
como aquilo que não funciona tão
bem.
Um dos resultados mais signiÆca-
tivos dos seus trabalhos foi mostrar
que o microcrédito, que a uma certa
altura era apresentado como a solu-
ção para o desenvolvimento – contri-
buindo para o prémio Nobel da Paz
recebido por Muhammad Yunus em
2006 -, acaba por ter resultados glo-
bais algo decepcionantes no comba-
te à pobreza, quando comparado
com outras medidas mais simples
como a facilitação das remessas.

A segunda prémio Nobel
Esther DuÇo acabou, ao longo dos
anos, por se tornar incontestavel-
mente no nome em maior desta-
que.
“É a força muscular deste movi-
mento, foi ela que conseguiu trazer
imensa atenção para este tipo de tra-
balho. Sem Esther DuÇo, não sei se

Em apenas duas


décadas, o seu
novo método

baseado em


experiências


transformou a
economia do

desenvolvimento


Real Academia Sueca
das Ciências
Comunicado

Como combater a pobreza?


Caso a caso, pessoa a pessoa


Abhijit Banerjee, Esther DuÅo e Michael Kremer venceram


o prémio Nobel da Economia pela utilização do método


experimental na economia do desenvolvimento. A economista


francesa foi a segunda mulher da história a receber o galardão


Prémio Nobel


Sérgio Aníbal


tinha existido este Nobel”, diz Pedro
Vicente, um economista que, em
Portugal, se dedica também à utili-
zação do método experimental na
economia do desenvolvimento.
Agora, o facto de ter apenas 46
anos e de ser mulher trouxe-lhe ain-
da uma atenção acrescida. Esta
segunda-feira tornou-se não só na
vencedora mais jovem da história do
Nobel da Economia, como passou a
ser também apenas a segunda
mulher a ser distinguida com este
prémio. Até agora, a única mulher a
receber o prémio Nobel da Econo-
mia tinha sido a norte-americana
Elinor Ostrom, em 2009.
Não espanta por isso que a econo-
mista francesa tenha sido a escolhida
pela Academia para responder por
telefone aos jornalistas que, em Esto-
colmo, acompanhavam o anúncio do

prémio. Não mostrou surpresa pelo
prémio, mas apenas por o ter rece-
bido tão cedo, e explicou o trabalho
realizado pelos três economistas
vencedores como uma tentativa de
compreender “as raízes profundas e
interligadas da pobreza”.
“Demasiadas vezes, os responsá-
veis pelas políticas generalizam
sobre as pessoas em situação de
pobreza”, diz, assinalando que tan-
tas vezes se chega à conclusão sim-
plista que os pobres são preguiçosos
ou que são empreendedores, sem
verdadeiramente se conhecerem as
causas. “O que nós fazemos é distin-
guir os problemas, um de cada vez,
examinando-os o mais cientiÆca-
mente possível”, aÆrma.
Em relação ao facto de ser, em
meio século, apenas a segunda
mulher a receber o prémio,
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