Público - 15.10.2019

(C. Jardin) #1

28 • Público • Terça-feira, 15 de Outubro de 2019


MUNDO


Os governos da União Europeia con-
cordaram em suspender vendas de
armas à Turquia, na sequência da
operação militar lançada por Anca-
ra contra os curdos da Síria.
O New York Times destaca que foi
a primeira vez que uma decisão do
género foi tomada em relação a um
aliado da NATO (apenas seis Estados
da UE não são membros da NATO),
e dizem que os elementos legais e
práticos de uma decisão destas são
complicados, justiÆcando assim a
solução encontrada de suspender a
venda de armas por cada um dos
Estados-membros e não um embar-
go conjunto.
Mas como comentou o antigo
representante da União Europeia
em Ancara Marc Pierini ao diário Le
Monde, esta medida é sobretudo
simbólica, pretendendo mostrar à
Turquia o seu isolamento — sem ter
grande possibilidade de gerar efei-
tos na ofensiva a que estes países se
opõem. “A operação [turca na Síria]
está preparada há muito e certa-
mente que tanto as Forças Armadas
turcas como o Presidente, Recep
Tayyip Erdogan, tomaram precau-
ções e dispõem de todos os stocks
necessários”, comentou.
Apesar de tudo, o comunicado

Governos da UE


“limitam” vendas


de armas à Turquia


comum dos 28 foi visto como um
avanço, dada a relutância de Esta-
dos-membros como a Hungria em ir
contra a Turquia de Erdogan, depois
de este ameaçar que “abriria as com-
portas”, deixando passar os refugia-
dos que estão no seu território e
gostariam de chegar a Europa.
Pelo seu lado, Erdogan prometeu
continuar a operação, feita com
base em mercenários árabes (afas-
tados, em 2015, de cidades árabes
da região pelos curdos). Isto, apesar
de as forças do exército sírio, de
Bashar al-Assad, terem chegado
ontem a Manbij para apoiar os cur-
dos, após um acordo da véspera.
O político curdo Aldar Xelil disse
à Reuters que este não é ainda um
acordo político, que vai implicar
“negociações longas e directas”.
Mas a prioridade agora é “proteger
a segurança da fronteira do perigo
turco”, comentou. Como disse o
comandante curdo Mazloum Abdi
num artigo na Foreign Policy, “entre
uma cedência e o genocídio”, a
escolha não é difícil.
Enquanto isso, o Presidente rus-
so, Vladimir Putin, visitava a Arábia
Saudita, aliado-chave dos EUA — um
sinal da crescente importância da
Rússia, cuja intervenção foi decisiva
para a vitória do regime de Assad na
Síria, na região.
De Riad veio um aviso para Anca-
ra: um conselheiro de Putin disse
que a ofensiva turca “não é exacta-
mente” compatível com a integrida-
de territorial síria, e que a acção
deve ser “proporcionada”.

[email protected]

Guerra na Síria
Maria João Guimarães

Erdogan diz que não vai
parar avanço em Manbij,
onde já chegaram as forças
de Bashar al-Assad

Habitantes saúdam chegada dos milicianos enviados por Ancara

EPA

Hungria


Clara Barata


Gergely Karacsony ganhou


as eleições municipais


na capital e o Fidesz perdeu


o controlo de dez das


maiores cidades do país


[email protected]

As eleições para a câmara municipal
de Budapeste foram o maior revés
eleitoral de Viktor Orbán em uma
década, com a vitória de Gergely
Karacsony, o candidato apoiado por
todos os partidos da oposição, derro-
tando o candidato do Fidesz, o parti-
do do primeiro-ministro húngaro.
No cômputo geral, as eleições
municipais de domingo somaram
resultados melhores do que os espe-
rados para a oposição em várias
outras cidades. Haverá presidentes
da câmara da oposição em dez das 23
maiores cidades húngaras, diz a Reu-
ters. Até agora, o Fidesz controlava
20 dessas 23 cidades. Mas as zonas
rurais continuam solidamente nas
mãos do partido do poder e o primei-
ro-ministro, Orbán, reivindicou a
maioria dos votos a nível nacional.
“Os cidadãos de Budapeste deci-
diram ter chegado a altura de esco-
lher algo diferente. Aceitamos esta
decisão”, disse Orbán, anunciando
que fará alguns ajustes na política do
seu Governo, sem anunciar quais.
A perda de Budapeste, com 1,8
milhões de habitantes, é um golpe
forte para o Fidesz, num país com
dez milhões de habitantes. A capital
sempre foi mais moderada do que
o resto do país. Sinal da importância
destas eleições, a campanha eleito-
ral foi muito violenta, com vários
momentos em que surgiram grava-
ções que acusavam candidatos de
corrupção e sexo com prostitutas,
difundidas pelos media próximos do
poder — todos os que têm grande
difusão.
Os Fidelitas, a juventude do
Fidesz, difundia música de circo bem
alta quando Karacsony fazia comí-
cios, relata o Le Monde.
Naz Masraè, analista do think tank
Teneo Intelligence, comentou que os
resultados da oposição podem servir
para solidiÆcar a cooperação entre
os partidos, que têm tido muita diÆ#
culdade em encontrar uma platafor-
ma comum de diálogo — isto anteci-
pando já as legislativas de 2022.


Vitória da oposição


em Budapeste


é modelo para lutar


contra Orbán em 2022


Mas não é de começar já a contar
com o Æm da “democracia iliberal”
idealizada e posta em marcha por
Orbán. “Construir um projecto
amplo de oposição para as legislati-
vas continuará a ser muito difícil. Os
partidos terão de alinhar prioridades
muito diferentes, que vão desde o
centro-direita Jobbik [inicialmente,
um partido de extrema-direita, que
mudou nos últimos anos] até ao
Momentum, uma formação liberal”,
disse Masraè.
“É a primeira brecha no sistema de
Orbán, e espera-se que continue para
2022”, disse, por sua vez, Andras
Biro-Nagy, analista do Policy Solu-
tions, citado pelo Guardian. “Mostra
que esta é a melhor estratégia.”
Gergely Karacsony, presidente de
um pequeno partido chamado “Diá-
logo para a Hungria”, um liberal eco-
logista, foi escolhido como candida-
to da oposição numas primárias nas
quais votaram 67 mil cidadãos de
Budapeste, diz o jornal Le Monde.
Com esta eleição de Karacsony,
Budapeste é a última de várias capi-
tais de países da Europa Central
governados por partidos ultracon-
servadores onde foram eleitos pre-
sidentes de câmara progressistas:
Rafal Trzaskowski em Varsóvia (Poló-
nia), Matús Vallo em Bratislava (Eslo-
váquia) e o pirata Zdenek Hrib em
Praga (República Checa). E, claro, há
o caso de Istambul, a maior cidade
da Turquia, que elegeu Ekrem Ima-
moglu, o candidato do maior partido
da oposição.

O candidato da oposição foi
escolhido em “primárias”

O que parecia, na noite eleitoral, ser
uma vitória clara do partido naciona-
lista polaco Lei e Justiça nas legislati-
vas tornou-se, ao longo do dia de
ontem, numa competição cerrada — e
ainda que tenha ganho, a maioria
pode estar em causa, e perdeu a
câmara alta.
A câmara alta não tem um papel
determinante, mas pode atrasar legis-
lação e causar demoras e problemas
na agenda do partido cheÆado por
Jaroslaw Kaczynski.
Isto signiÆca “um grande revés para
o partido conservador em termos
sociais, que esperava ter tido um
mandato suÆciente para mudar a
Constituição”, escreve a agência Reu-
ters. Segundo o Politico, “há poucas
dúvidas de que o PiS seja capaz de
formar o próximo governo, mas não
terá a mesma margem que teve desde
2015”, quando teve a primeira maio-
ria absoluta da Polónia pós-1989.
No Ænal do dia de ontem, com
99,4% dos votos contados, o PiS tinha
43,76% dos votos, muito à frente do
principal partido da oposição, a Coli-
gação Cívica (liberal), que teve 27,24%,
da Esquerda, que agrupa vários par-
tidos de esquerda, 12,52%, a Coligação
Polaca (que junta o Partido dos Cam-
poneses com o partido anti-sistema
Kukiz 8,58%, e o Confederação, de
extrema-direita, 6,79%.
Com estas percentagens, o PiS teria
deputados suÆcientes para uma maio-
ria, mas a alocação Ænal de lugares
ainda não foi calculada, adverte o
Politico. A complexidade do sistema,
acrescenta a Reuters, faz com que
esteja em cima da mesa a perda da
maioria absoluta.
Já na câmara alta, em que a oposi-
ção se uniu contra cada um dos can-
didatos do PiS, a estratégia parece ter
resultado.
O PiS ganhou reputação por apro-
var legislação com uma enorme rapi-
dez, muitas vezes em sessões noctur-
nas na câmara baixa do Parlamento,
seguidas de aprovação rápida da
câmara alta. Com a actual conÆgura-
ção, isso deixará de ser possível.

PiS vence


legislativas


mas perde


câmara alta


Polónia


Vantagem do partido
nacionalista desce após a
contagem dos votos — ainda
havia uma pequena
margem de incerteza
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