Público - 15.10.2019

(C. Jardin) #1
Público • Terça-feira, 15 de Outubro de 2019 • 3

forma irá realizar-se essa transição.

Aeroporto bloqueado
O chefe do Governo, Pedro Sánchez,
convocou uma conferência de
imprensa, sem direito a perguntas,
em que se pronunciou em castelhano
e inglês, para afastar desde logo a
hipótese de vir a conceder um indul-
to aos condenados. “O respeito pela
sentença signiÆca o seu cumprimen-
to integral”, aÆrmou.
O presidente da Generalitat, Quim
Torra, escolheu palavras duras para
descrever as condenações, que con-
siderou “injustas e antidemocráti-
cas”. “Entendemos que a acusação e
a sentença declaradas são extensivas
a milhões de catalães. Exigimos o Æm
da repressão e a liberdade para os
presos e presas políticas, exilados e
exiladas, e a inclusão da amnistia
como ponto Ænal para todas as pes-
soas visadas”, declarou.
Horas depois de ser conhecida a
sentença, o juiz Pablo Llarena, res-
ponsável pela instrução do processo
contra os independentistas, emitiu
um novo mandado de captura euro-
peu contra Carles Puigdemont, o ex-
presidente do governo regional que
está exilado na Bélgica. A Justiça espa-
nhola espera que a sentença do
Supremo reforce a ordem de prisão.
Puigdemont disse que as penas a
que os independentistas foram con-
denados são “injustas” e “desuma-
nas” e apelou para que as eleições
legislativas de 10 de Novembro se
transformem numa “manifestação
maciça de rejeição e Ærmeza” contra
a sentença.
Nas ruas de Barcelona e de várias
cidades catalãs os efeitos da sentença
do Supremo foram quase imediatos.
O epicentro das manifestações foi o
aeroporto de Barcelona, que passou
a tarde de ontem praticamente todo
ocupado por milhares de pessoas,
obrigando ao cancelamento de uma
centena de voos. Noutros locais,
várias estradas foram bloqueadas e o
transporte ferroviário em Girona che-
gou a ser suspenso.
A decisão do Supremo tem poten-
cial para abrir uma nova fase no
confronto entre Madrid e Barcelo-
na, que se arrasta há mais de dois
anos. Na frente judicial, há os recur-
sos para o Tribunal Constitucional
e para o Tribunal Europeu dos Direi-
tos Humanos.

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ENRIC FOTCUBERTA/EPA

A acusação e a sentença


declaradas são extensivas


a milhões de catalães
Quim Torra
Presidente da Generalitat

O


ponto crítico passa de
Madrid para Barcelona. A
sentença do Supremo
Tribunal de 14 de Outubro
coloca os independentistas
catalães perante uma
encruzilhada que revela a sua
divisão. O independentismo tem de
decidir se mantém o protesto
conÆnado à rua, sob a forma de
“desobediência civil”, ou se
retomará a linha da “desobediência
institucional”, a estratégia de
choque com o Estado que levou à
condenação dos líderes
secessionistas de 2017. Na primeira
linha estará Oriol Junqueras, líder
da Esquerda Republicana da
Catalunha (ERC); Quim Torra, o
presidente da Generalitat,
representará a segunda.
As manifestações de rua serão
impressionantes. Os activistas
parecem galvanizados por um
nome modelo de luta urbana: Hong
Kong. Depois da operação de ontem
no aeroporto de Barcelona, outras
foram já preparadas nas últimas
semanas. Haverá marchas sobre a
capital catalã. O objectivo é
paralisar a Catalunha. Estão
também anunciadas
“acções-surpresa”, cuja natureza se
ignora. A questão está em saber se
passarão “linhas vermelhas”.
“E depois das manifestações o
quê? Esta é a questão”, sublinha o
ensaísta Francesc-Marc Álvaro no
diário La Vanguardia. “As
manifestações contra a sentença —
maciças e relevantes — não durarão
sempre. (...) A Catalunha
independentista está zangada, mas
não está a viver um clima
pré-insurreccional.”
A área radical anseia que a
sentença provoque um “salto
qualitativo” na marcha triunfal para

a independência. Aposta no
“bloqueio” do Estado e numa
repressão policial análoga à de 1 de
Outubro de 2017, o dia do
referendo. Mas isto será a última
coisa que Pedro Sánchez pensa
consentir.
Quim Torra parece partilhar
desta miragem: “Não podemos
continuar a pensar que temos de
gerir esta autonomia permitida, que
nos é oferecida como uma
concessão de Espanha. A sentença
deve levar-nos a recuperar uma
dinâmica ganhadora. (...) Não
aumentaremos nenhuma base
pedindo licença e aguardando que
no-la dêem.” Imagina a sentença
como o momentum, o detonador de
uma insurreição popular que, desta
vez, force o Estado espanhol a
negociar.
Na trincheira oposta parece estar
Junqueras. Numa entrevista à
Europa Press, explicou que a
“desobediência institucional” é um
beco sem saída. “Não pode voltar a
acontecer, há um bem a preservar,
que são os cidadãos e as suas
instituições.” Traduz Francesc
Álvaro: “O líder da ERC tem claro —
e não é o único — que a Generalitat
não deve ser sacriÆcada num
constante choque estéril (e
geralmente simbólico) com os
poderes do Estado.” Junqueras quer
uma reacção “impressionante”,
mas “sem fumo nem simbolismo
vazio”. Considera que uma nova

Análise
Jorge Almeida Fernandes

E agora?


aplicação do Artigo 155 seria fatal
para os interesses da Catalunha.

As eleições no horizonte
A ERC sabe que as instituições de
autogoverno estão gravemente
afectadas. O parlament e o govern
deixaram de legislar e governar
para se centrarem exclusivamente
na condução do procés soberanista.
A administração está paralisada. A
produção legislativa é praticamente
nula. A popularidade das
instituições “está de rastos”. A taxa
de apoio ao independentismo roçou
os 50% em 2013 e hoje rondará os
35-40%, sublinha um estudo do
Real Instituto Elcano.
Nos últimos meses, o
independentismo catalão tem sido
cenário de uma acesa disputa da
hegemonia, entre a ERC e a
coligação Juntos pelo Sim, associada
ao “exilado de Waterloo”, o
ex-president Carles Puigdemont. A
proximidade das eleições
legislativas exacerbou o confronto,
embora de momento encoberto
pela reacção à sentença.
Interroga-se o jornalista Ruben
Amón no El Confidencial: “Quanto
vai a ERC capitalizar com os anos de
cárcere de Junqueras, ou quanto
expiará Puigdemont na urnas o seu
indecoroso desterro?”
A partir de hoje, a sentença entra
na campanha e não apenas na
Catalunha. É também um desaÆo a
Sánchez. Não só deverá evitar uma
escalada repressiva, como não
mostrar fraqueza nem perder o
controlo da situação. Ao mesmo
tempo, deve dar sinais de abertura a
Barcelona. A sentença é também a
paradoxal oportunidade para
Madrid deÆnir uma nova política
catalã.
“Sánchez necessitava de um
estímulo para reanimar a sua
campanha, um argumento para
neutralizar a depressão nas
sondagens”, escreve Amón. É a
perigosa oportunidade de se
aÆrmar como alternativa à
instabilidade e ao caos.
adell, Meritxel Borràs, Jordi Turull,
uerda para a direita) [email protected]

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