Público - 15.10.2019

(C. Jardin) #1
4 • Público • Terça-feira, 15 de Outubro de 2019

ESPAÇO PÚBLICO


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CARTAS AO DIRECTOR


Quem é o quarto pai,
António Barreto?

António Barreto (A.B.), na sua
coluna de anteontem no
PÚBLICO — “Bom dia,
democracia!” — entre outras
coisas, sugere uma sessão
parlamentar de homenagem a
Freitas do Amaral. Não deixo de
concordar com ele, nesse
ponto, e vou mais longe: não
entendo a abstenção do PCP no
voto de pesar que a Assembleia
da República dedicou ao
professor e político há dias
falecido. Mas Æco-me por aí e
não posso deixar de achar
atrevido quando A.B. junta o
nome de Ramalho Eanes aos de
Mário Soares, Sá Carneiro e
Freitas do Amaral para formar
o quarteto dos “pais da
democracia”. Se não queria — e
penso que não quer mesmo —
trazer o nome de Álvaro Cunhal

para juntar aos três últimos, ao
menos tenha o pudor de
reduzir a “paternidade” a um
trio. Ramalho Eanes vem
depois, embora com papel
relevante. Será que o período
entre o 25 de Abril e o 25 de
Novembro não foi democrático,
para A.B.? E se Álvaro Cunhal
tentou condicioná-lo (e tentou),
não terá sido Ramalho Eanes
um mentor da formação dum
partido político a partir de
Belém? Ou a democracia é a la
carte? Contenha-se António
Barreto, a bem daquela a quem
deu o “bom dia” em título de
jornal!
Fernando Cardoso Rodrigues, Porto

Depois da
“geringonça”, as crises
à vista

Vicente Jorge Silva, no artigo de
opinião que escreveu na edição

de domingo do PÚBLICO e com o
título acima, comete um erro
grave que se tem ouvido
inúmeras vezes em diálogos
diversos, sobretudo com pessoas
da dita direita. Refere na parte
inicial que “(...) a ‘geringonça’
tornara-se um anacronismo, que
apenas se justiÆcou tendo em
conta os resultados das
legislativas de 2015, que o PS
perdeu mas sem que a coligação
PS-CDS pudesse formar
governo”.
Como? O “historiador” em
mim deu de imediato um pulo na
cadeira, para escrever estas
linhas! Qual foi a primeira força
política que o Presidente de
então, Cavaco Silva, chamou para
formar governo? Chamava-se PaF
e era precisamente a tal coligação
que ganhara as eleições, se
formos a olhar para o grupo com
maior número de deputados
eleitos. Levou, sim, foi com uma

moção de censura, e o resto é
conhecido. Como pode um
reputado analista/comentador
repetir uma patranha ouvida,
como digo, vezes sem conta de
que o PSD-CDS ganharam as
eleições de 2015, mas não foram
chamados a formar governo?
Vamos ser sérios, nas análises
que fazemos e tornamos
públicas, é o mínimo que se
exige, em nome da verdade
histórica da política nacional!
Carlos Gilbert, Porto

Rio Tejo


Discutimos fervorosamente a
“geringonca”, o PSD, os golos do
Ronaldo, enquanto o rio Tejo
morre do lado português. Para
que serve a lei dos rios, se os
espanhóis não a cumprem? Onde
está o Governo português para
defender o que é nosso?
Anabela Santos

A noite eleitoral na Polónia não foi um passeio
para o partido nacionalista Lei e Justiça,
como se admitia, e, apesar de ter ganho as
legislativas (embora ontem a maioria pudesse estar
em causa), perdeu a câmara alta — esta não tem um
papel determinante, mas pode atrasar legislação e
causar demoras na agenda do partido conservador
chefiado por Kaczynski, o qual esperava ter uma
votação suficiente para mudar a Constituição. (Pág.
28) J.J.M.

O Fidesz, partido do primeiro-ministro, Viktor
Orbán, sofreu o maior revés eleitoral numa
década, ao ser derrotado nas eleições para a
câmara municipal da capital Budapeste pelo
candidato apoiado por todos os partidos da
oposição. O Fidesz perdeu ainda outras importantes
cidades, mas a derrota em Budapeste é um duro
golpe para o partido no poder. Analistas vêem no
resultado a primeira brecha no projecto de Orbán.
Jaroslaw Kaczynski Viktor Orbán (Pág. 28) J.J.M.

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A Catalunha à espera de uma solução política


O


ponto de partida para se
analisar o novo momento do
procés da Catalunha obriga-nos
a recordar que a Espanha é um
país democrático onde vigora
um Estado de direito. Seria por isso
errado pensar que o Supremo
Tribunal podia ou devia inocentar os
nove independentistas catalães
condenados ontem. Aos tribunais
cabe cumprir a lei e não cabe fazer
política. Mas, sendo a crise catalã
eminentemente política, o que fazer
com esta sentença judicial? Deve a

democracia espanhola aplicar as
penas com o rigor prescrito na lei, ou
encontrar uma porta aberta capaz de
tolerar soluções pacíÆcas para o
futuro? Entre a punição que cria
mártires e instiga a radicalização do
vírus nacionalista e um indulto aos
condenados capaz de sarar as feridas
e restaurar o diálogo, abre-se uma
discussão crucial para o futuro.
É possível à partida encontrar mil e
uma explicações para demolir a
viabilidade de um indulto. O Governo
espanhol lembrou que a lei é a lei e,
sendo-o, é para cumprir. Os receios
de que um perdão fosse visto como
um sinal de fraqueza são pertinentes.
Os nacionalistas radicais da Catalunha
prosseguirão a sua causa, seja o
Estado magnânimo ou não. Tudo é
verdade, mas a punição pura e dura
de uma causa política só pode trazer

custos piores. Os condenados vão
tornar-se mártires, condição
fundamental para uma causa. O
civismo com que a luta
independentista foi gerida será
comparado com a severidade com
que o poder do Estado central o
tratou — mesmo que o crime de
revolta não tenha sido considerado.
E, mais grave, os catalães poderão
proclamar de que a existência de
“presos políticos” é prova que vivem
sob a tutela de um Estado ocupante e
repressivo.
Sabemos o que acontece quando a
política não encontra soluções para
casos desta gravidade: o extremismo
ganha poder e a acção violenta
torna-se o único caminho possível
para muitos. Depois de erros em série
que vão desde a recusa de mudanças
no estatuto autonómico à

mobilização excessiva de meios para
reprimir um protesto ilegal mas
pacíÆco, a Espanha teria tudo a
ganhar, se fosse capaz de serenar o
instinto punitivo que se criou contra a
Catalunha e abrisse caminho para
uma solução pacíÆca. Perdoar a
irresponsabilidade populista,
demagógica e ilegal dos
independentistas seria um estender
da mão aos catalães moderados e
mostrar um gesto democrático e
tolerante capaz de desarmar o
radicalismo. Sem um indulto ou
qualquer gesto de apaziguamento,
tudo pode ser mais difícil. Acreditar
que o nacionalismo e o radicalismo
extremado se travam com prisões e
não com soluções políticas é arriscar
a repetição de erros do passado.

Manuel Carvalho
Editorial
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