Público - 05.10.2019

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10 • Público • Sábado, 5 de Outubro de 2019


POLÍTICA


A Câmara do Porto viu pela segunda
vez conÆrmada em tribunal a titula-
ridade de parte de um terreno que a
imobiliária da família de Rui Morei-
ra, o presidente da autarquia, dizia
possuir na Calçada da Arrábida, na
zona ribeirinha do Douro, e onde
pretendia construir. Oito meses
depois de o Tribunal Judicial do Por-
to ter considerado procedente a
acção interposta pela câmara para
clariÆcação da propriedade de 1661
dos 2260 metros quadrados compra-
dos pela imobiliária Selminho, em
Julho de 2001, à família Ferreira,
também visada na acção, o Tribunal
da Relação do Porto conÆrma a deci-
são tomada em primeira instância.
E conclui que o terreno não foi adqui-
rido por usucapião, mas já lá
vamos.
O advogado da Selminho, José
Ricardo Gonçalves, não revela se vai
recorrer da decisão, diz apenas que
está a analisar o acórdão. Com a deci-
são da Relação chega-se a uma situa-
ção de “dupla conforme”. Ou seja,
não é possível um “recurso” ordiná-
rio. Fontes judiciais contactadas pelo
PÚBLICO aÆrmam que “muito
remotamente será admissível um
recurso extraordinário”. O PÚBLICO
contactou a Câmara do Porto, mas
não obteve qualquer resposta.
Os juízes da Relação consideraram
improcedentes os recursos de apela-
ção interpostos pelos dois réus: Maria
Irene Ferreira e João Ferreira, de um
lado, e a Selminho, a empresa da
família do presidente da Câmara do
Porto a quem o casal Ferreira vendeu
o terreno. “Embora reconhecendo o
esforço argumentativo que ambos os
recursos evidenciam, entendemos
que a sentença proferida pela 1.ª ins-
tância, invulgarmente exaustiva e
pormenorizada, e que largamente
seguimos, deverá obter integral con-
Ærmação”, diz o acórdão do Tribunal
da Relação do Porto (TRP).


Datado de 24 de Setembro, o acór-
dão é arrasador para o casal Ferrei-
ra e desmonta a tese segundo a qual
a casa e o terreno foram comprados
em 1970, por negócio apenas verbal,
a Álvaro Pereira, pai de Maria Irene
e sogro de João Ferreira, e que o pri-
meiro teria comprado o terreno da
mesma forma, por contrato verbal.
O tribunal diz que não foi apresenta-
da nenhuma prova que evidencie
que Álvaro Pereira tenha adquirido
a casa com terreno, contígua à Ponte
da Arrábida, assim, sem documen-
tos, e que o casal Ferreira a tenha
comprado também da mesma forma.
Rejeita ainda que se possa considerar
neste caso que o casal, que argumen-
tava com o tempo decorrido e alega-
va ter estado convencido de que era
mesmo proprietário do terreno,
tenha acabado assim por adquirir a
propriedade por usocapião.
Em relação à Selminho, declara
que “não foi produzida qualquer
prova directa do conhecimento, no
momento da celebração da escritura
pública de compra e venda, da irre-
gularidade da aquisição da proprie-
dade por usucapião por parte dos
primeiros réus”. Mas o tribunal
detecta indícios que permitiam duvi-
dar da titularidade reclamada pela
família Ferreira. A “actuação dos
primeiros réus não é típica de um
proprietário que estima e valoriza
um bem, melhor se coadunando
com a situação de alguém que ocupa
precariamente um terreno alheio, no
qual coloca estruturas meramente
precárias — chapas metálicas e placas
de Æbrocimento —, temendo o surgi-
mento do dono e a sua expulsão”.
Quanto à alegada compra verbal
de Álvaro Pereira, os juízes subli-
nham que “não se pode ignorar que
fundando-se a justiÆcação notarial
num processo frágil, uma vez impug-
nada a respectiva escritura, impen-
derá sobre o casal Ferreira o ónus da
prova da aquisição do direito de pro-
priedade e da validade desse direito”.
Ora, “na falta de prova, insusceptível
de suportar a usucapião (...) a acção

tenha “agido em abuso do direito”


  • acusação feita pela imobiliária da
    família de Rui Moreira, que “contava
    que o autor [da acção] renunciasse
    a qualquer pretensão” da proprieda-
    de “em seu favor”. Acrescenta o tri-
    bunal: “Resta perguntar se é de acei-
    tar que a ré ‘Selminho, Ldª.’ possa
    legitimamente extrair da conduta do
    município – que se reconduz, no
    essencial, à não impugnação da sua
    propriedade nos contactos que man-
    tiveram – que este abdicou (para o
    futuro) de cerca de 1600m2 de um
    terreno situado na principal ‘porta
    de entrada’ da cidade, bem como de
    algumas dezenas de metros quadra-
    dos do domínio público”.
    Ainda que caiba aos órgãos da
    administração “respeitar as posições
    jurídicas de que os administrados
    sejam efectivamente titulares”, nota
    o tribunal “o que lhes compete satis-
    fazer é o interesse público”.” Tenha


Relação diz que


não Äcou provado


que o terreno


tenha sido
adquirido pela

família que o


vendeu à Selminho


nem que alguém
possa reivindicar

a sua propriedade


por usocapião


Relação conƊrma que terreno


do caso Selminho é da câmara


Tribunal deu como provado que Câmara


do Porto é dona de parte substancial do


terreno que a Selminho, empresa da


família do autarca Rui Moreira, dizia ser


seu e ter capacidade construtiva


Porto


Margarida Gomes


de impugnação da escritura de justi-
Æcação notarial lavrada em 29 de
Março de 2001 no Cartório Notarial
de Montalegre terá que merecer pro-
cedência, tal como entendido pela
primeira instância”.

“Não houve entrega
material”

“A ‘posse’ dos primeiros réus é pre-
cária e não pode fundar a prescrição
aquisitiva, a menos que ocorra a
inversão do título da posse, caso que,
contudo, só se poderia conÆgurar a
partir de 1999”, sustenta o acórdão.
Por isso, “a acção movida pelo muni-
cípio do Porto com vista à impugna-
ção da escritura de justiÆcação nota-
rial” foi atendida. Porque “não pode
deixar de proceder”, nota o tribu-
nal.
Em resposta ao recurso da Selmi-
nho, o acórdão rejeita que a câmara
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