Público - 05.10.2019

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Público • Sábado, 5 de Outubro de 2019 • 17

YARA NARDI/REUTERS

O Papa
Francisco
ordena hoje
doze novos
cardeais no
Vaticano

em Roma (menos uma hora em Lis-
boa), o Papa entregar aos 13 novos
cardeais as insígnias representativas
da sua função (barrete, anel e bula),
estará a dar vários sinais. Desde logo,
as escolhas do Papa destes nomes
reÇectem a preocupação de Francis-
co em ter conselheiros oriundos de
todo o mundo: o Colégio Cardinalício
passará a contar com 225 cardeais
(incluindo os 124 que podem votar
num futuro conclave de eleição de
um papa, caso ele se realizasse daqui
a poucos dias), oriundos de 90 países
representados.

As direcções da reforma
Nunca a universalidade do catolicis-
mo (uma redundância, já que dizer
“católico” signiÆca “universal”) foi
tão verdadeira neste organismo de
consulta do Papa. Com esta nomea-
ção (uma palavra que, com Francisco,

Em 2018, foi convidado a orientar
os exercícios espirituais da Quaresma
para o Papa e a Cúria Romana, o que
deu origem ao livro Elogio da Sede,
outra obra marcante da sua produ-
ção. Agora, pouco mais de um ano
depois da sua nomeação como arce-
bispo e bibliotecário da Santa Sé, o
Papa anunciou que o nomearia car-
deal, o que o surpreendeu, aceitando
“uma missão para a qual antes não
[foi] escutado”.
Por isso, sente-se com “uma humil-
dade muito grande e um desprendi-
mento no sentido de dizer ‘sou cha-
mado, estou aqui com o que sou’,
venho arregaçar as mangas e servir”.
“A pergunta que repito no meu cora-
ção é neste momento mesmo dirigida
a Deus: ‘O que é que queres de mim,
o que é que queres que eu faça?”,
acrescentou.
Quando, a partir das 16h de hoje


não é casual), passará a haver 66 car-
deais escolhidos por Bergoglio, além
de 42 nomeados por Bento XVI e 16
por João Paulo II. O que não quer
dizer tudo, mas signiÆca muito, para
um próximo conclave.
Noutro âmbito, o Papa quer signi-
ficar que considera muito importan-
tes o diálogo cultural, como no caso
de Tolentino Mendonça, e áreas como
o diálogo inter-religioso e o apoio a
migrantes e refugiados ou a pessoas
pobres e marginalizadas. No caso do
diálogo inter-religioso, isso traduz-se
com as escolhas dos actual e antigo
presidentes do Conselho Pontifício
para o Diálogo Inter-religioso, Miguel
Ángel Guixot, missionário combonia-
no, e Michael Louis Fitzgerald, que foi
núncio no Egipto; e ainda do salesia-
no espanhol Cristóbal Romero, arce-
bispo de Rabat (Marrocos), reconhe-
cido pelo seu papel de aproximação
ao islão numa sociedade esmagado-
ramente muçulmana, e que também
tem feito grandes esforços para o aco-
lhimento de migrantes e refugiados
da África subsariana.
No apoio aos refugiados, também
se destaca o até ontem padre checo
Michael Czerny, jesuíta checo e res-
ponsável da secção dos Migrantes e
Refugiados no Dicastério para o Ser-
viço do Desenvolvimento Humano
Integral. A cruz de Czerny, que ontem
á tarde foi ordenado bispo, é de
madeira oriunda de um barco usado
por migrantes para atravessar o Medi-
terrâneo, rumo a Lampedusa, recor-
dou a Ecclesia.
A par do apoio a refugiados, o gua-
temalteco Alvaro Leonel Imeri dedica
muita da sua acção aos mais pobres e
excluídos. Também os arcebispos do
Luxemburgo, Jean-Claude Höllerich,
que esteve muitos anos no Japão, e de
Bolonha, Matteo Zuppi (mediador do
primeiro acordo de paz de Moçambi-
que) se incluem no lote dos que
actuam nessas áreas consideradas
prioritárias pelo Papa.
Das periferias geográÆcas vêm o
cubano Juan García Rodríguez (Hava-
na), o congolês Fridolin Ambongo
Besungu (Kinshasa), e o indonésio
Ignatius Hardjoatmodjo ( Jacarta),
líder católico no maior país muçulma-
no do mundo. Com o consistório de
hoje, Francisco indica claramente
várias direcções que pretende para a
reforma do catolicismo.

Jornalista do 7Margens/especial
para o PÚBLICO

Estou aqui com o


que sou, venho
arregaçar as

mangas e servir


Tolentino Mendonça
Cardeal

Um novo livro do novo cardeal por-
tuguês foi ontem posto à venda.
Uma Beleza Que nos Pertence é uma
colecção de aforismos e citações,
retirados dos seus outros livros de
ensaio e crónicas, “acerca do senti-
do da vida, a beleza das coisas, a
presença de Deus, as dúvidas e as
incertezas espirituais dos nossos
dias”, segundo a nota de imprensa
da editora Quetzal.
Organizado por grandes temas, o
livro recolhe centenas de excertos
da obra ensaística e das crónicas do
bibliotecário da Santa Sé.
“O grande risco é o de nos deixar-
mos mergulhados numa vida inau-
têntica, uma vida que não é vida,
feita de imagens e de aparências. O
que passa a contar, no fundo, é a
ilusão que se projecta e que é preci-
so salvar a todo o custo”, diz uma

A beleza num livro


de aforismos


das citações que se encontram na
obra agora publicada.
“Hoje muita gente parece mais
interessada em salvar as aparências
do que em salvar-se a si própria.
Num vazio sempre mais amplo, a
imitação acaba por obscurecer o
original. E assistimos ao triunfo da
sociedade do espectáculo, gerida

António Marujo


O livro foi ontem
posto à venda e é
uma colecção de
citações e
aforismos
retirados de
obras anteriores

Não é por acaso que o Papa Francis-
co fala da nomeação de cardeais,
numa Igreja em que, durante sécu-
los, o Papa os “criava”. Trata-se de
uma nomeação, disse Bergoglio, ao
anunciar os diferentes nomes para
os diferentes consistórios.
Uma piada eclesiástica dizia que
nesse momento o líder da Igreja
Católica se assemelhava ao Deus
criador — quando se limitava a fazer
uma nomeação e a entregar os três
símbolos da função: o anel, o barre-
te e a bula.
Tão pouco é casual que o Papa
não fale da “elevação” de alguém a
cardeal, outra palavra muito usada
por estes dias, ou que insista na
ideia de que o serviço e não o poder

A linguagem que traduz


a reforma de Francisco


é a ideia essencial do cargo, aliás
repetindo já ideias fortes que o Papa
Bento XVI tinha usado nos últimos
tempos do seu pontificado.
A pompa com que os cardeais
eram (e ainda são) tratados, as
regras protocolares que subsistem
em muitas cerimónias do Vaticano,
com uma rígida hierarquia e insis-
tindo mais na formalidade, nos
ritos, em regras estritas de vestuário
e nos títulos mostram que a reforma
do Papa Francisco, que muitos cren-
tes desejam acelerar, ainda levará
muito tempo.
Até porque outros insistem na
importância desses factores, consi-
derando-os fundamentais e fazendo
deles alguns dos principais argu-
mentos da sua oposição ao caminho
que Francisco, até agora, tem con-
tinuado a seguir.

António Marujo


por uma ética provisória e funcio-
nal, que não chega a tocar o
homem.”
Além da obra sobre os textos
bíblicos e da poesia, José Tolentino
Mendonça tem publicados vários
livros com pequenas crónicas ou
meditações.
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