Público - 05.10.2019

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28 • Público • Sábado, 5 de Outubro de 2019


MUNDO


Nas semanas que se seguiram a uma
conversa telefónica entre os Presiden-
tes dos EUA e da Ucrânia, a 25 de
Julho, em que Donald Trump pediu a
Volodimir Zelenskii que investigasse
o seu mais forte opositor na corrida
para as eleições presidenciais de
2020, Joe Biden, responsáveis ligados
aos dois países trocaram mensagens
para acertarem a estratégia a seguir.
Numa dessas mensagens, entregues
na quinta-feira ao Congresso norte-
-americano pelo antigo enviado espe-
cial dos EUA à Ucrânia, Kurt Volker, o
embaixador interino em Kiev mos-
trou-se incomodado com o andar das
conversas, e deixou registada uma
pergunta que pode vir a ser central
no processo de destituição do Presi-
dente Trump lançado pela maioria do
Partido Democrata na Câmara dos
Representantes: “Isto signiÆca que a
ajuda à segurança e a reunião na Casa
Branca dependem da abertura de
investigações?”
William B. Taylor, um embaixador
de carreira que foi nomeado encarre-
gado de negócios interino na Ucrânia
em Julho, referia-se a um pacote de
quase 400 milhões de dólares em
ajuda ao Governo ucraniano que o
Presidente Trump tinha retido nos
cofres norte-americanos, mesmo
depois de receber autorização do
Congresso. E referia-se também ao
desejo do novo Presidente ucraniano
de ser recebido na Sala Oval da Casa
Branca, um gesto que Zelenskii via
como essencial para fortalecer a sua
posição perante a Rússia.
Ligar as duas coisas — a retenção
da ajuda a Kiev e a recusa em receber
Zelenskii na Casa Branca enquanto
a Ucrânia não anunciasse uma inves-
tigação a Joe Biden e ao seu Ælho
Hunter — é a chave que o Partido
Democrata procura para desblo-
quear o processo de destituição, com
a acusação de que Trump pediu a
assistência de um líder estrangeiro


Mensagens mostram que William B.


Taylor, encarregado de negócios em Kiev,


estava convencido de que a Casa Branca


reteve ajuda Änanceira para que a Ucrânia


investigasse Joe Biden


Donald Trump nega qualquer troca de favores e diz que apenas quer que a Ucrânia lute contra a corrupção

para inÇuenciar a campanha eleito-
ral a seu favor.
No centro da pressão da Casa Bran-
ca sobre o Presidente ucraniano estão
uma suspeita não fundamentada
sobre os Biden e uma teoria da cons-
piração à volta das eleições presiden-
ciais de 2016 nos EUA.

Pressão e conspiração
Em 2016, o então vice-presidente dos
EUA, Joe Biden, exigiu ao Governo de
Kiev que afastasse o procurador-geral
ucraniano se quisesse receber a
garantia de um empréstimo no valor
de mil milhões de dólares. O procu-
rador em causa, Victor Shokin, estaria
a investigar a Burisma, empresa que
tinha na sua administração o Ælho de
Biden, Hunter Biden.
Mas, por essa altura, as críticas ao
procurador Shokin eram generaliza-
das nos EUA e na União Europeia. Na
quinta-feira, a CNN recuperou uma
carta assinada em Fevereiro de 2016
por senadores do Partido Republica-
no e do Partido Democrata em que se
pede ao então Presidente ucraniano,
Petro Poroshenko, que faça “reformas
urgentes no gabinete do procurador-
-geral” — com acusações semelhantes
às que Biden fez semanas depois. As
autoridades ucranianas nunca disse-
ram que os Biden foram investigados,
e a pressão para a saída de Shokin
teria o objectivo de reforçar o comba-
te à corrupção, e não o contrário,
como sugerem o Presidente Trump e
o seu advogado pessoal, Rudolph
Giuliani.
Para além da abertura de uma
investigação aos Biden — que seria
prejudicial para a candidatura de Joe
Biden à Casa Branca em 2020, em que
é um dos favoritos a concorrer contra
Trump —, o Presidente norte-ameri-
cano pediu também a Volodimir
Zelenskii que o ajudasse com um
assunto que ocupa muitas horas de
emissão nos programas de rádio e
televisão ultraconservadores nos
EUA: que a Ucrânia investigasse a
ideia, nunca fundamentada, de que
foi do Governo ucraniano que partiu

decisão foi vista como uma forma de
o país não se ver ainda mais envolvi-
do nos planos da Casa Branca e no
processo de destituição lançado pelo
Partido Democrata — não signiÆca
que as investigações vão ser reaber-
tas, o que evita hostilizar o Partido
Democrata; mas também não signi-
Æca que continue tudo parado, para
não enfurecer o Presidente Trump.

“É de loucos”
A convicção do embaixador William
B. Taylor de que a Casa Branca estava
a chantagear a Ucrânia não deixa o
Partido Democrata mais perto de
convencer os senadores do Partido
Republicano a virarem-se contra o
Presidente Trump e a aprovarem o
seu afastamento da Casa Branca. Mas
são peças de um puzzle que tem vindo
a compor-se a um ritmo alucinante

Enquanto o apoio


à destituição do


Presidente não for


esmagador entre a
população, os

senadores do


Partido


Republicano vão
continuar a ter

argumentos para


se oporem ao


afastamento de
Donald Trump

EUA


Alexandre Martins


Embaixador dos EUA suspeitou


de troca de favores com a Ucrânia


uma campanha para desacreditar a
candidatura de Trump à Casa Branca,
em 2016, e em que a ligação à Rússia
era a estratégia central.
Ao pedir ao novo Presidente ucra-
niano que abrisse uma investigação
aos Biden, Trump não deixou claro
que essa era uma condição para que
os 400 milhões de dólares chegas-
sem ao país. Mas o encadeamento da
conversa e as mensagens entregues
ao Congresso na quinta-feira pelo
antigo enviado especial norte-ame-
ricano levam os defensores da desti-
tuição de Trump a dizerem que hou-
ve uma troca de favores.
Ontem, o actual procurador-geral
da Ucrânia, Ruslan Riaboshapka,
anunciou que vai auditar investiga-
ções fechadas durante o mandato do
seu antecessor, incluindo as que
envolvem a empresa Burisma. A
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