Público - 05.10.2019

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32 • Público • Sábado, 5 de Outubro de 2019


CIÊNCIA


Alimentação “boa para o planeta”


é possível e pode ter carne


Mark Howden Mais impacto nas


produções agrícolas, menos qualidade


de água, mais doenças, menos qualidade


do que se come — é este o cenário futuro


traçado pelo vice-presidente do IPCC


As alterações climáticas têm
impacto não só na temperatura do
planeta e na perda de
biodiversidade mas também na
alimentação e na produção agrícola
— podendo ter consequências
graves para a saúde. Ainda que o
relatório apresentado na semana
passada pelo Painel
Intergovernamental para as
Alterações Climáticas (IPCC) se
tenha focado nos oceanos e na
criosfera, há também partes
dedicadas à segurança alimentar.
Mark Howden é vice-presidente
do IPCC e é também especialista
em agricultura e segurança
alimentar; desde 2015 ocupa o
cargo de director do Instituto de
Alterações Climáticas da
Universidade Nacional da Austrália
e é professor honorário na
Universidade de Melbourne. Foi
conselheiro estratégico deste
relatório e, em entrevista ao
PÚBLICO, à margem da sessão no
Mónaco, defende que, “mesmo
sem alterações climáticas, a
segurança alimentar será um
verdadeiro desaÆo para o mundo
nos anos vindouros”.
Em relação à decisão da
Universidade de Coimbra de
eliminar a carne de vaca das
cantinas universitárias de forma a
reduzir as emissões de dióxido de
carbono, Mark Howden diz que
não tem uma visão “extremista” e
acredita que a solução passa por
uma alimentação equilibrada e,
mais do que tudo, informada sobre
os impactos ambientais daquilo
que se come.
Como é que as alterações
climáticas afectam a segurança
alimentar?
De muitas formas. Grande parte
dos nossos sistemas alimentares
está altamente dependente do


clima e da produtividade do solo.
Se tivermos muita chuva, por
exemplo, teremos muita produção
de cana-de-açúcar; mas se tivermos
pouca chuva, isso terá impacto nas
pastagens dos animais, o que
resulta numa grande diferença em
termos de produtividade,
dependendo do clima que se tem.
Se olharmos bem, o clima tem
impacto em praticamente tudo o
que envolve os nossos sistemas
alimentares.
No relatório fala-se muito dos
impactos na pesca. É uma das
áreas mais afectadas?
Obviamente que as alterações
climáticas afectam a pesca e o que
o relatório do IPCC revelou é que a
produtividade da indústria da
pesca será muito e negativamente
afectada sobretudo nas regiões
tropicais do mundo. Em alguns
casos há um aumento de
produtividade junto do Pólo Norte
e do Pólo Sul, nas águas mais frias,
e pode haver também um aumento
de produtividade nas águas mais
quentes já existentes [de espécies
associadas a climas mais quentes].
O clima afecta os oceanos e o que
acontece nos oceanos inÇuencia o
clima nos terrenos agrícolas, em
terra Ærme. Temos como exemplo
os sistemas do El Niño e La Niña,
que são sistemas que têm origem
no oceano, mas que geram
inundações e secas em diferentes
partes do mundo. Portanto,
existem também estes impactos na
alimentação relacionados com o
que se passa nos oceanos.
É por isto que dizem no
relatório que há efeitos positivos
e negativos?
Sem dúvida. Depende do sítio do
globo em que se está.
Há muitas comunidades que
serão afectadas por estas
questões relacionadas com
segurança alimentar? Há
populações mais em risco?
Sim. Temos questões que já
existem há algum tempo, há

temperaturas. Torna-se muito
difícil trabalhar cá fora com
condições de muito calor. As
pessoas de países em
desenvolvimento serão muito mais
provavelmente afectadas do que as
pessoas do Norte da Europa, por
exemplo.
O relatório diz também que as
alterações climáticas resultarão
num aumento de doenças
transmitidas pela água. Porque
é que se torna mais provável
existirem estas doenças?
Estas doenças voltaram a tornar-se
prevalentes nas áreas equatoriais e
subtropicais, e muitas vezes isto
acontece em parte por causa das

temperaturas altas, que tendem a
aumentar a eÆcácia destas doenças
transmitidas pela água, já que o
calor permite que estes organismos
se multipliquem mais
rapidamente; portanto, com o
aumento das temperaturas, estas
regiões assistirão a um aumento
destas proliferações. Depois
também entra a questão do
armazenamento da água. Estas
doenças tornam-se
particularmente relevantes quando
há pouca água, em épocas de seca
em que não há muita água potável
disponível ou em que não se
consegue ferver a água.
Infelizmente, em muitas partes do

Entrevista


Claudia Carvalho Silva,


no Mónaco


pessoas na Terra que não têm
comida suÆciente no dia-a-dia — há
estes problemas conhecidos de
subnutrição. Nos países em
desenvolvimento e também nos
países equatoriais e áreas
subtropicais, o que vemos é que
estas zonas serão provavelmente, e
infelizmente, as mais afectadas por
alterações climáticas no que toca a
comida. Serão aquelas onde se verá
mais efeitos negativos. Muitos dos
terrenos de cultivo estão já no seu
limite de produção e também se
torna problemático tendo em conta
a quantidade de pessoas que
trabalham no exterior, condições
que se agravam com o aumento de
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